quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Para terminar uma conversa telefônica...

– Por favor, poderia me dizer qual o caminho para eu sair daqui?
– Depende muito de para onde você quer ir – disse o Gato.
– Não importa muito para onde... – disse Alice.
– Então não importa muito o caminho – disse o Gato.
LEWIS CARROL – Alice no País das Maravilhas

Em inglês, o título do livro é “Alice in Wonderland”. Wonder é um verbo que significa “sentir dúvida e curiosidade; admirar-se; desejar muito saber; emoção provocada por algo que é novo, extraordinário, não muito bem entendido”.

O livro foi escrito por um matemático inglês que assinou com o pseudônimo de Lewis Carroll nos meados do séc. XIX.
Na estória (sou do tipo que me dou o direito de me recusar a escrever história para contos não factuais!), há o Coelho Branco, sempre preocupado com o tempo e que caracteriza a rotina diária, a vida controlada pelo tempo. Um gato sem corpo. Alice já tinha visto um gato antes. Nunca sorrindo. Mas um sorriso de um gato, sem o corpo do gato? Nunca. “Quem és tu? Disse a Lagarta. Alice responde: Eu... Senhor, eu agora, neste momento, nem sei. Sei, pelo menos, o que era, quando levantei esta manhã, mas acho que devo ter mudado várias vezes desde essa altura”.

Alice é obrigada a reformular constantemente conceitos e comportamentos. Sente-se atordoada pela desordem, mas ao mesmo tempo tocada pelo caos. Porém, percebe que, mesmo no aparente caos, existe uma ordem intrínseca.
Há o desejo de transbordar os limites do desconhecido, mas, ao mesmo tempo, de se manter protegido do incerto.

Acorda Alice! O que você vai ser quando você crescer?

Há fases na vida da gente que estes questionamentos são mais perturbadores. Quando se escolhe uma profissão, um casamento, ao se passar pelas crises dos 21, 30, 40,...

Quando nascemos, já somos o produto do desejo, ou não de outros (no meu caso, fui produto de uma pílula mal tomada). Outros nos dão nome, não o escolhemos. A partir daí, há desejos de que sejamos felizes, inteligentes, bem sucedidos, etc.
Acredito que quando nascemos, estejamos encobertos por demãos de tintas de expectativas. Viver é se livrar aos poucos delas. É separar o que é meu do que é seu, dos outros.

Mas a pergunta continua: o que devo fazer da minha vida?
Eu já acreditei em Karma, missão divina... hoje, não sei. Sei que sempre tive o que desejei, mas na maioria das vezes, não da forma como havia planejado.
Para uns, a vida se resolve de maneira muito rápida e mais facilmente que outras. Quer seja ganhando na Mega Sena, sendo uma Grazi do BBB, que em 4 anos ganha um concurso, é vice do programa de TV e hoje tem uma carreira de atriz. Em 4 anos! Quantos lutam a vida inteira e não têm a mesma “sorte”. Quantos cientistas e artistas só são creditados depois de mortos?

Para amenizar a teoria das probabilidades, inventamos um ser divino. Por coerência filosófica, ele tem que ser justo. Para explicar essas injustiças da vida, inventamos um arranjo de resgate de vidas passadas e... pronto! Tudo é merecimento. Se não de agora, de vidas passadas. E tudo faz sentido. E a vida se apresenta como um sonho de Alice: caótico e admirável, com uma lógica interna própria e que não entendemos. Os “nãos” que recebi na vida foram entendidos como benéficos depois de um tempo. E como adolescentes crescidos, nos vemos de novo nos perguntando as mesmas questões. Nunca teremos uma resposta concreta. Estou fazendo da minha vida o que desejo? É esta a profissão correta? Há algo que estou deixando de fazer? Qual o limite da determinação e da teimosia? Até quando devo insistir?

Temos um vazio, cheio de perguntas. Para preenchermos este vazio, talvez a vida tenha o sentido que eu queira lhe dar. Conhecer todos os vazios. Maravilhar-se com o mundo. Dar sentido aos nossos desejos, inventar uma história, uma narrativa que seja peculiar, autêntica, minha.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Ser.

VERBO SER
Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor.
Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer?
Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser?
Dói? É bom?
É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?Sou obrigado a?
Posso escolher?
Não dá para entender.
Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser
Esquecer.

Carlos Drummond de Andrade