terça-feira, 30 de setembro de 2008

Citações.

"Não são as coisas em si mesmas que perturbam os homens, mas os juízos que eles fazem sobre as coisas".
Epiteto (séc. I)

"Existem duas tragédias na vida. Uma é não conquistar o que seu coração deseja. A outra é conquistar".
Bernard Shaw (1903)

"Se alguma vez chegamos a admitir as nossas deficiências, fazemos isso por vaidade".
La Rochefoucauld (1665)

"Eles falam mal de mim? Ah, se me conhecessem como eu me conheço!"
Epiteto (séc.II)

"O amor é o desejo de alcançar a amizade de uma pessoa que nos atrai pela beleza".
Cícero (séc. II)

domingo, 28 de setembro de 2008

Esta mira...

Estamira é uma senhora que depois de sofrer abusos sexuais de familiares, apanhar do marido e ser traída inúmeras vezes, até dentro de sua própria casa, vai resolver viver no meio de um lixão no Rio de Janeiro. Na rua, ela é estuprada outras vezes e pede pelo amor de Deus por ajuda.
Ela tem um jeito de mirar a vida muito peculiar, de acordo com seu olhar de pessoa sofrida.

Desenvolveu uma doença mental e hoje não suporta ouvir falar de Deus ou Jesus. Segundo ela, ela é melhor que ambos. Ela sobreviveu aos dois.Não achou o alívio e apoio que a religião lhe tinha dito que receberia. Se pai e filho existissem, eles não a deixariam ter passado pelas coisas que passou. A vida é muito ruim e má, de acordo com Estamira.
Neste documentário, ela solta frases com uma insistência em afirmar ser uma pessoa lúcida.

"Não sou um robô sanguíneo".
"Minha cabeça não dói não, dá choque, dá agonia".
"Eu nunca tive aquela coisa que eu sou".

E termina dizendo: "Sabia que tudo que é imaginado existe, é e tem?"

sábado, 27 de setembro de 2008

O Estrangeiro - Parte 2

A noite da minha partida estava muito quente. Rio, 40 graus. Cidade maravilha da beleza do carnaval se despedia dos turistas na quarta-feira de cinzas. As fantasias eram adereços extras na bagagem dos “gringos” que deixavam a cidade, levando com eles, para suas casas, lembranças de um carnaval que passou.
Ao meu lado, no avião, um rapaz de olhos asiáticos estava em silêncio. Não me lembro como, mas começamos uma conversa de “reconhecimento” do local. Ele era brasileiro que estava indo para o Cairo. Lá era onde ele morava atualmente. Trabalhava para uma estatal e gostava do que fazia. Eu era um recém-decepcionado pela profissão que escolhera. Pensava em gastar o dinheiro obtido na tradução de um livro em uma realização de um sonho de criança. E eu estava gostando do que eu estava fazendo.

Logo a conversa se transformou em interrogatório: “Você está acompanhado? Você tem mais bagagem? Você está levando cadeado? Você conhece alguém lá? Você fez seguro?
Você sabe onde ficará? Você tem outra jaqueta?”
Para todas essas perguntas, a resposta era um não. E só então eu me dei conta de que não tinha pensado em nada disto antes.
Eu iria conhecer aqueles lugares com os quais tinha sonhado. Esta era uma certeza. Tinha minhas prioridades: entrar em um castelo, ver neve e visitar um campo de concentração nazista.

No trajeto Rio-Madri, agora eu tinha adquirido algo mais. Uma dor de barriga e uma ânsia de vômito causadas pelo interrogatório do japonês brasileiro que tinha me trazido à realidade e me feito ter vontade de seqüestrar o avião, exigir que o piloto retornasse ao Brasil, de preferência que me deixasse em casa. Não podia. Pedi à aeromoça que me arranjasse um remédio. Recusei o jantar da primeira viagem internacional da vida. Fechei os olhos para o que estava acontecendo. Era melhor não remoer os pensamentos agora. Procurei dormir.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O Estrangeiro- Parte 1

A origem das coisas

Estava aqui pensando como tudo começou. É muito difícil determinar o início das coisas quando elas parecem ter o seu rumo próprio e, sem planejamento, elas acontecem por elas mesmas.
São entidades dotadas de poder de realização, que a despeito da nossa vontade acontecem ou fazem acontecer situações na nossa vida.
O meu sonho começou por si só. Ou talvez tenha sido quando, aos treze anos, eu via uma colega de sala desfilar com uns cartões-postais, panfletos e livros da França. Ela estava muito contente por ter recebido todo aquele material diretamente da embaixada da França em Brasília. Bastou escrever uma carta para eles mostrando interesse no país e eles enviaram um farto material de causar inveja. Pelo menos em mim.
Troquei informações com ela e pedi que ela me desse os endereços de embaixadas em Brasília. Eu queria fazer o mesmo. No outro dia ela me trouxe uma lista com vários endereços e uma recomendação: não adiantava escrever para os países comunistas, tais como Alemanha Ocidental, China, Cuba, etc.
Eu fiz uma carta modelo e no dia seguinte eu mandei cartas para quase todas as embaixadas.
Depois de um mês eu recebia a minha primeira correspondência, da Suécia. Vinham algumas informações sobre o país que eu tinha uma curiosidade particular porque o meu pai se correspondia com uma mulher de lá quando ele era jovem. Eu tinha umas fotos dela e algumas cartas que ela tinha enviado para ele. Junto com o material estava um cartão postal de Estocolmo, a capital, num dia de inverno. Para mim, que até então não era da geração da internet e que, portanto, o acesso às fotos e textos não era lá tão fácil como é hoje, foi uma descoberta. Pela primeira vez eu via Estocolmo e através do cartão eu literalmente viajava, imaginando ruas, pessoas andando, a língua estranha que eles deveriam falar...
O mesmo aconteceu com cada material de embaixada que chegava. Eu conhecia o mundo sem sair do lugar. O efeito que isso tinha em mim era tão profundo, que só hoje, depois de uma grande distância dos fatos, é que eu me dou conta da influência que isto teria em mim nas minhas viagens. Como exemplo, eu não conheço os Estados Unidos e Portugal. Estes foram os únicos países que foram pouco amistosos comigo e negaram tanto informações como materiais. A França, país pelo qual eu guardo um apreço especial, foi o mais generoso em relação às matérias enviadas. Coincidência, ou não, eu tive o meu primeiro contato com um mundo que eu até então pouco conhecia e que viria a ser determinante em muitas coisas em minha vida no futuro.
Talvez, naquele momento, eu estivesse realmente começando a sonhar em conhecer outros mundos. Talvez esta passagem da minha vida tenha sido realmente a origem de tudo.

Dez anos mais tarde, eu havia me formado em veterinária. Eu já tinha feito inglês e tinha desistido de fazer o curso avançado de francês. O sonho de viajar para outros países só tinha aumentado, mas as condições financeiras não eram favoráveis para realizar a empreitada.
Um amigo meu da veterinária, atendendo os cachorros de uma criadora de collies, soube que ela tinha acabado de chegar da França com um livro de homeopatia veterinária. Sabendo que eu falava francês e era veterinário, ele me recomendou a ela para uma possível tradução do livro. A negociação foi acertada para que eu recebesse o pagamento em dólares. Isto porque o país estava passando por uma crise terrível, a nossa moeda era desvalorizada e como o prazo de tradução era longo, a moeda estrangeira seria uma forma de um pagamento mais justo para o meu trabalho, sem riscos de desvalorização.
Um ano mais tarde eu terminava a tradução e tinha comigo uns dois mil dólares. Nesta época eu estava passando por um momento de incerteza em relação à minha profissão e o Brasil acabava de adotar o real como moeda. Mais valorizado que o dólar, eu via agora o momento oportuno para fazer uma viagem ao exterior. Não me importava se eu não teria dinheiro suficiente para fazer tudo o que eu queria e com conforto. Eu queria era ir.
Além do meu dinheiro de tradução, pedi 400 dólares emprestados para uma amiga e mais 400 dólares para minha mãe. Daqui do Brasil, eu partiria com uma passagem de Europass, válida em vários países, sem determinação de quilometragem nem de número de viagens a serem feitas, desde que fosse em um prazo de dois meses, a contar do primeiro dia de utilização. Fora o meio de transporte, levava comigo uma agenda de anotações com fotos de cada região do Brasil, uma máquina fotográfica, uma lista de endereços de albergues e um caderno com horários de trens. A minha mochila vermelha continha mais uma calça jeans, muitas blusas de malha e cuecas, além de três cuecões, meias e um agasalho emprestado de um amigo. No total, eram 8 quilos de mochila para mais de 2 meses de viagem.