sexta-feira, 12 de julho de 2019

Luto


Você se foi.
De súbito o que eu achava ser o fim
Desenterra um nascimento.
Algo, de novo, me consumia por dentro
Recebo a visita de um conhecido sentimento.
A voz vai desaparecendo da memória,
O cheiro está ao relento
As mensagens desaparecem e desce seu nome no celular.
O posto primeiro vai cedendo o lugar.
Luto nos lutos do desalento.
Comigo fica o silêncio.
Um conto, diferente daquele do livro.
Reedito a memória num sem cessar
Tentando recuperar os vestígios do que um dia se chamou par.
Não havia prosas para manter seu nome pronunciável
O tempo seguia, mas você permanecia
Insiste, até hoje, num resto de outro lugar,
marcado, vivo, cuidado.

domingo, 21 de outubro de 2018

Entro no elevador com uma mulher loira, bonita, malhada, tatuada e que carregava em seu colo seu filho de um ano e pouco, talvez. Eu a cumprimento em vão, sem retorno. Ela é muito bonita para ser também educada, deve pensar assim.
Naquelas TVs de elevador, via anunciado a vitória do Hexa do Cruzeiro. Ela aponta para o infante nos braços e diz: “olha lá, filho, quem são?” Ao que ele responde com o pouco conhecimento da língua materna (duplo sentido, ok?): é Malia. Tal qual Cebolinha, ele tenta dar sentido a algo que seu corpo ainda não dá conta.
A mãe ri. “Sim, são as Marias!”.
Esse pequeno fragmento de segundos me leva a ter vergonha alheia. 

Uma mãe tenta ensinar ao filho que aqueles homens não valem nada, são motivos de chacota, são risíveis e, portanto, são chamados de Maria, um nome feminino (teria aqui ideologia de gênero? O que é ser homem? E mulher?) e popular, de viés religioso, que muitos pais dão esse nome às suas filhas em homenagem à mãe de Jesus.
Há muito do que se tirar dessa cena, mas me fixo em um só. Desde pequeno esse garoto aprende que há os ELES e NÓS e que nós somos melhores do que eles e que eles não devem ser respeitados e valorizados pelos seus feitos somente porque não são… nós.
E assim caminha a humanidade, a passos de formiga e sem vontade (Lulu Santos).


PS: não sou cruzeirense.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Não te quero mais


Tenho que trabalhar este fim de semana
Acho que não sou maduro para o tipo de relacionamento que deseja
Tenho que ajudar minha irmã
Talvez tenhamos nos encontrado em um momento errado da vida
O problema não é você, sou eu
Não queria emendar relacionamentos
Faz tempo que não fico sozinho
As circunstâncias foram maiores que isso
Desculpa não atender mais uma vez
Eu estava dormindo
Sinto por isso
Tô só terminando de limpar a cozinha
Sinto muito por sumir assim
Você me disse que eu estava te fazendo mal
Me desculpa por hoje
Peço perdão por não falar nada
Me desculpa não responder ontem
Estou só arrumando as coisas... já te ligo
Dormi. Não vi a ligação.
Depois a gente se fala.

sábado, 4 de março de 2017

Se te...

Se te incomodo, releve.
Se te abafo, respire.
Se te atrapalho, afaste-se.
Se te faço mal, fuja.
Se te irrito, me rife.
Mas... se te amedronto, encare.
Se te alegro, aproveite.
Se te acompanho, venha.
Se te acalmo, relaxe.
Se te faço feliz, dance.
Se te dou tesão, trepe.
Se te quero, aceite.
Se te faço cafuné, durma.
Se te beijo, lambuze-se.
Se sou noite, coruja-se.
Se te amo, coragem.

sábado, 21 de janeiro de 2017

Recusa.


Não, eu recuso.
Como é difícil dizer essas palavras
porque ao dizê-las, não se sabe bem ao certo o que se recusa.
Não, acho melhor não.
Uma advertência?
Uma preferência?
Uma gentileza?
Uma proteção?
O que se perde quando se diz não?
O que se ganha ao negar algo?
Muitas vezes as razões são tão claras que não se titubeia ao dizê-las.
Outras vezes, resta uma incerteza.
Procura-se uma bola de cristal que nos garanta que o que ainda ocorrerá será exatamente o que imaginamos: para o bem ou para o mal.
Recusar um convite.
Quantas coisas estão escondidas neste não…  Tão profundamente escondidas que nem mesmo nós sabemos o que são. Se a ignorância está no presente, como saber do futuro?
Recusa-se também por precaução.
Não consigo deixar de enxergar uma prepotência nesta solução. Há uma certeza em jogo. Os dados estão dados. Onde isso acontece no real?
Na recusa, a esperança perde seu lugar.
Cede-se o bastão ao medo, este poderoso sentimento que é capaz de tudo.
Trago em mim um filete de esperança. Como está por um fio…!

sábado, 26 de novembro de 2016

O que é ajudar?

Havia um morador de rua que de tanto abraçar seu endereço ostensivo, causava comoção em alguns que passavam pelo lugar. Sujo, maltrapilho, louco(?), sozinho.
Tentou-se uma aproximação: ele lançou lama para os invasores. Tentaram de novo e desta vez receberam cusparadas. Então pensaram na oferta de um pacote de cigarro. Assim mesmo, como se aproxima de um animal selvagem, aos poucos, com cuidado para não assustar.
Depois houve o aceite do presente e um início de prosa:
- Venha conosco! Você vai para um lugar limpo, roupas novas, uma comida quentinha e gostosa para você comer, cama boa para deitar... venha!
Ao que o nosso morador do asfalto respondeu com um desvio de olhar desinteressado:
-Vá você!

domingo, 13 de novembro de 2016

Dia de chuva.

Retire a caneta da minha mão.
Não deixe o sol voltar.
Cale o pedreiro a me falar da Palavra do Senhor.
Tirem as pessoas alegres do recinto.
Não deixe meu pensamento voltar
porque hoje a minha gentileza é forçada.
Meu respirar está no automático
porque tenho muita coisa para limpar,
porque estou envergonhado do que sinto.
A energia está fraca,
uma tristeza sólida me faz companhia
e é injusto obrigar alguém
a ler o texto e chegar a este ponto.
É covardia... se esperar por algo bom
quando o que tenho a oferecer é só um clichê
da tristeza.
Tem gente que o faz com beleza...
eu, só, a minha angústia.