quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Para terminar uma conversa telefônica...

– Por favor, poderia me dizer qual o caminho para eu sair daqui?
– Depende muito de para onde você quer ir – disse o Gato.
– Não importa muito para onde... – disse Alice.
– Então não importa muito o caminho – disse o Gato.
LEWIS CARROL – Alice no País das Maravilhas

Em inglês, o título do livro é “Alice in Wonderland”. Wonder é um verbo que significa “sentir dúvida e curiosidade; admirar-se; desejar muito saber; emoção provocada por algo que é novo, extraordinário, não muito bem entendido”.

O livro foi escrito por um matemático inglês que assinou com o pseudônimo de Lewis Carroll nos meados do séc. XIX.
Na estória (sou do tipo que me dou o direito de me recusar a escrever história para contos não factuais!), há o Coelho Branco, sempre preocupado com o tempo e que caracteriza a rotina diária, a vida controlada pelo tempo. Um gato sem corpo. Alice já tinha visto um gato antes. Nunca sorrindo. Mas um sorriso de um gato, sem o corpo do gato? Nunca. “Quem és tu? Disse a Lagarta. Alice responde: Eu... Senhor, eu agora, neste momento, nem sei. Sei, pelo menos, o que era, quando levantei esta manhã, mas acho que devo ter mudado várias vezes desde essa altura”.

Alice é obrigada a reformular constantemente conceitos e comportamentos. Sente-se atordoada pela desordem, mas ao mesmo tempo tocada pelo caos. Porém, percebe que, mesmo no aparente caos, existe uma ordem intrínseca.
Há o desejo de transbordar os limites do desconhecido, mas, ao mesmo tempo, de se manter protegido do incerto.

Acorda Alice! O que você vai ser quando você crescer?

Há fases na vida da gente que estes questionamentos são mais perturbadores. Quando se escolhe uma profissão, um casamento, ao se passar pelas crises dos 21, 30, 40,...

Quando nascemos, já somos o produto do desejo, ou não de outros (no meu caso, fui produto de uma pílula mal tomada). Outros nos dão nome, não o escolhemos. A partir daí, há desejos de que sejamos felizes, inteligentes, bem sucedidos, etc.
Acredito que quando nascemos, estejamos encobertos por demãos de tintas de expectativas. Viver é se livrar aos poucos delas. É separar o que é meu do que é seu, dos outros.

Mas a pergunta continua: o que devo fazer da minha vida?
Eu já acreditei em Karma, missão divina... hoje, não sei. Sei que sempre tive o que desejei, mas na maioria das vezes, não da forma como havia planejado.
Para uns, a vida se resolve de maneira muito rápida e mais facilmente que outras. Quer seja ganhando na Mega Sena, sendo uma Grazi do BBB, que em 4 anos ganha um concurso, é vice do programa de TV e hoje tem uma carreira de atriz. Em 4 anos! Quantos lutam a vida inteira e não têm a mesma “sorte”. Quantos cientistas e artistas só são creditados depois de mortos?

Para amenizar a teoria das probabilidades, inventamos um ser divino. Por coerência filosófica, ele tem que ser justo. Para explicar essas injustiças da vida, inventamos um arranjo de resgate de vidas passadas e... pronto! Tudo é merecimento. Se não de agora, de vidas passadas. E tudo faz sentido. E a vida se apresenta como um sonho de Alice: caótico e admirável, com uma lógica interna própria e que não entendemos. Os “nãos” que recebi na vida foram entendidos como benéficos depois de um tempo. E como adolescentes crescidos, nos vemos de novo nos perguntando as mesmas questões. Nunca teremos uma resposta concreta. Estou fazendo da minha vida o que desejo? É esta a profissão correta? Há algo que estou deixando de fazer? Qual o limite da determinação e da teimosia? Até quando devo insistir?

Temos um vazio, cheio de perguntas. Para preenchermos este vazio, talvez a vida tenha o sentido que eu queira lhe dar. Conhecer todos os vazios. Maravilhar-se com o mundo. Dar sentido aos nossos desejos, inventar uma história, uma narrativa que seja peculiar, autêntica, minha.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Ser.

VERBO SER
Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor.
Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer?
Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser?
Dói? É bom?
É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?Sou obrigado a?
Posso escolher?
Não dá para entender.
Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser
Esquecer.

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 30 de novembro de 2008

Uma relação especial.

Eu estou achando as pessoas, hoje em dia, muito pouco interessantes. Não que eu seja muito especial, mas as conversas são um pouco previsíveis, os comentários também. Se alguém faz uma ironia, uma piadinha qualquer, há sempre um plantonista do politicamente correto para fazer um ar de "não gostei".
No meio deste marasmo, sem sal nem açúcar, há um lugar muito especial para alguém que tem a boca suja, mente ligeira, raciocínio sagaz, língua afiada. Coração apertado, dúvidas atrozes, desejos a mil. Ou seja, um sopro de vida no meio da minha rotina. E esta vida, hoje, completa mais um ano. Quantos anos ela tem? Só Deus sabe! E espero que sejam muitos para me ajudar a vencer esta árdua tarefa que é viver. Com ela, a vida ganha um sentido mais colorido; pode até ir do cinza ao arco íris, mas tem cor!
Temos uma relação de amor profundo que ultrapassa as convenções sociais. As pessoas não entendem, e eu entendo: não é comum duas pessoas saberem dos defeitos um do outro, já terem brigado, se amado, discutido, divagado, sofrido, sonhado... e mesmo assim se querer bem. Aliás, isso é o que eu mais quero: querer bem a ela.
Se Deus existir mesmo, ele foi legal comigo, porque me fez conhecê-la. Se a sorte está do meu lado, ela dividiu seus afazeres com esta pessoa que me traz a fortuna de dizer que eu tenho alguém que realmente me quer bem.
Não vou ser cruel e pedir para você ser feliz na vida, porque esta busca é insana e impossível de obter. Mas viva a vida, apesar de tudo e todos e seus momentos de alegrias vão ser muitos. Faça deste momento, o próximo a você sentir saudades. Continue do meu lado e eu te darei um amigo fiel e leal.
Te amo batantão, viu Lívia!

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Cléo.


Um texto bonito não é suficiente. Nada me preenche.
Só quero lembrar que há 18 anos eu te encontrei e a sua imagem me acompanha até hoje, mesmo com sua ausência.

domingo, 9 de novembro de 2008

A escolha do seu par.

Há trinta anos, os adolescentes encontravam o sexo oposto em bailes de salão organizados por clubes, igrejas ou pais responsáveis preocupados com o sucesso reprodutivo de seus rebentos.
Na dança de salão o homem tem uma série de obrigações, como cuidar da mulher, planejar o rumo, variar os passos, segurar com firmeza e orientar delicadamente o corpo de uma mulher. Homens levam três vezes mais tempo para aprender a dançar do que mulheres. Não que eles sejam menos inteligentes, mas porque têm muito mais funções a executar. Essa sobrecarga em cima do homem permite à mulher avaliar rapidamente a inteligência do seu par, a sua capacidade de planejamento, a sua reação em situações de stress. A mulher só precisa acompanhá-lo. Ela pode dedicar seu tempo exclusivamente à tarefa de avaliação do homem.
Uma mulher precisa de muito mais informações do que um homem para se apaixonar, e a dança permitia a ela avaliar o homem na delicadeza do trato, na firmeza da condução, no carinho do toque, no companheirismo e no significado que ele dava ao seu par. Ela podia analisar como o homem lidava com o fracasso, quando inadvertidamente dava uma pisada no seu pé. Podia ver como ele se desculpava, se é que se desculpava, ou se era do tipo que culpava os outros.
Essa convenção social de antigamente permitia ao sexo feminino avaliar numa única noite vinte rapazes entre os 500 presentes num grande baile. As mulheres faziam um verdadeiro teste psicológico, físico e social de um futuro marido e obtinham o que poucos testes psicológicos revelam. Em poucos minutos conseguiam ter uma primeira noção de inteligência, criatividade, coordenação, tato, carinho, cooperação, paciência, perseverança e liderança de um futuro par.
Infelizmente, perdemos esse costume porque se começou a considerar a dança de salão uma submissão da mulher ao poder do homem, porque era o homem quem convidava e conduzia a mulher.
Criaram o disco dancing, em que homem e mulher dançam separados, o homem não mais conduz nem sequer toca no corpo da mulher. O som é tão elevado que nem dá para conversar, os usuais 130 decibéis nem permitem algum tipo de interação entre os sexos.
Por isso, os jovens criaram o costume de "ficar", o que permite a uma garota conhecer, pelo menos, um homem por noite sem compromisso, em vez de conhecer vinte rapazes numa noite, também sem compromissos maiores.
Pior: hoje o primeiro contato de fato de um rapaz com o corpo de uma mulher é no ato sexual, e no início é um desastre. Acabam fazendo sexo mecanicamente em vez de romanticamente como a extensão natural de um tango ou bolero. Grandes dançarinos são grandes amantes, e não é por coincidência que mulheres adoram homens que realmente sabem dançar e se apaixonam facilmente por eles.
Masculinizamos as mulheres no disco dancing em vez de tornar os homens mais sensíveis, carinhosos e preocupados com o trato do corpo da mulher. Não é por acaso que aumentou a violência no mundo, especialmente a violência contra as mulheres. Não é à toa que perdemos o romantismo, o companheirismo e a cooperação entre os sexos.
Hoje, uma garota ou um rapaz tem de escolher o seu par num grupo muito restrito de pretendentes, e com pouca informação de ambas as partes, ao contrário de antigamente.
Eu não acredito que homens virem monstros e mulheres virem megeras depois de casados. As pessoas mudam muito pouco ao longo da vida, na realidade elas continuam a ser o que eram antes de se casar. Você é que não percebeu, ou não soube avaliar, porque perdemos os mecanismos de antigamente de seleção a partir de um grupo enorme de possíveis candidatos.
Fico feliz ao notar a volta da dança de salão, dos cursos de forró, tango e bolero, em que novamente os dois sexos dançam juntos, colados e em harmonia. Entre o olhar interessado e o "ficar" descompromissado, eliminamos infelizmente uma importante etapa social que era dançar, costume de todos os povos desde o início dos tempos.
Se você for mãe de um filho, ajude a reintroduzir a dança de salão nos clubes, nas festas e nas igrejas, para que homens aprendam a lidar com carinho com o corpo de uma mulher.
Se você for mãe de uma filha, devolva a ela a oportunidade que seus pais lhe deram, em vez de deixar sua filha surda, casada com um brutamontes, confuso e insensível idiota.
Ponto de vista: Stephen Kanitz
Edição 1877 . 27 de outubro de 2004
"Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera."

Adélia Prado.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Sou um intelectual!

A exclamação acima é resultado da surpresa que tive ao saber que um dos dois ou três presumíveis leitores do blog fez uma declaração, por telefone, de que eu era metido a intelectual.
Fui desmascarado.

Meus leitores não são muitos. Geralmente, eu tenho que ligar para alguém e perguntar: " Você viu o meu blog?". Outras vezes eu questiono:"Você leu o que eu postei ontem?" e a pessoa responde: "Onde? Ah, não. Faz um tempão que eu não acesso seu blog".

Acredito que a baixa frequência seja pelas postagens demasiadamente intelectuais que coloco por aqui. Ou então pelo vocabulário assaz rebuscado. Talvez, os mais freqüentes sejam os incontáveis anônimos que passam por aqui sem deixar rastros ou comentários. A estes que se arriscam, peço que me entendam. Este é o meu jeito.

E como não consigo fugir da minha sina, deixo aqui com você (provável leitor) as minhas inquietudes intelecto-filosóficas atuais.

Por que os políticos berram nos comícios se eles falam ao microfone?

Por que sempre que a gente está dormindo, toca o telefone e a pessoa pergunta se te acordou, a gente disfarça a voz e diz: “Não....não, tava dormindo não”. Por que ?

Por que as pessoas quando estão palitando os dentes à mesa, cobrem a boca com a mão?

Por que todo motorista de táxi tem sempre um caminho estranho?

Por que sempre que a gente está andando na rua e dá uma topada que dói muito, a gente disfarça e só vai passar a mão quando dobra a esquina?

Por que alguns elevadores ainda tem ascensoristas?

Por que quando pão está quente a gente diz que está fresco?

Por que os computadores são tão inseguros? É um tal de “tem certeza que quer excluir?” pra cá , “tem certeza que quer download” pra lá...

Por que os gatos sempre deitam em cima de uma revista que a gente está lendo?

Por que, quando o trânsito está ruim e a gente quer mudar de pista e põe a seta , o carro na outra faixa acelera pra não te deixar entrar ?

Por que existe papel higiênico com perfume?

Por que têm artistas que exigem 100 toalhas brancas?

Por que toda pessoa que tem mau hálito não saca que tem ?

Por que em shows de música se insiste com aquela encenação do bis?

Por que quando a gente encontra alguém que não vê há muito tempo, a gente sempre fala “Vamos nos ligar”, “Vamos combinar alguma coisa...” quando a gente sabe que não vai?

Por que existe lápis de cor branco?

Por que a palavra “porque” , quando usada para pergunta , se escreve separada e para afirmação se escreve tudo junto?

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Prazer nas coisas boas da vida.

"O sujeito decide praticar ginástica, dedica-se a higienes rigorosas para estar em forma, produz todo um photoshop pessoal na expectativa de um prazer a que não irá se autorizar: se ele se dedicar ao prazer, vai desgastar-se e comprometer aquele estado físico a que chegou justamente... para ter prazer".
Este é o pensamento de Contardo Calligaris, psicanalista italiano que tem umas idéias bem interessantes. Além de achar que nós não nos preocupamos com o prazer na nossa vida, ele acha que a gente se boicota o ter prazer na vida em geral com a justificativa de se buscar o prazer. Paradoxal, claro.
No passado, a religião se tornou a máquina de controle para manejar isso. Hoje, ele reflete que o papel foi substituído pela medicina. Ela teria sido chamada para exercer a polícia de costumes e o controle das vidas.Não pode isso, tem que ter aquilo, isso faz mal, etc. Comer chocolate faz mal para isso e isto, porém, o amargo faz bem a isso e aquilo. Loucura.
Ele vai além e diz que até o sexo entrou na roda. Segundo ele, as pessoas fazem pouco sexo e transam mal. Por que? Os casais têm preguiça, estão com sono, têm de acordar cedo...
Isso me faz lembrar de Woody Allen quando em seu filme a namorada pergunta se ele acha que sexo é sujo e ele responde:"Só quando é bom."

domingo, 5 de outubro de 2008

Um poema.

Tonight I can write the saddest lines

Tonight I can write the saddest lines.
Write, for example,'The night is shattered
and the blue stars shiver in the distance.
'The night wind revolves in the sky and sings.
Tonight I can write the saddest lines.
I loved her, and sometimes she loved me too.
Through nights like this one I held her in my arms
I kissed her again and again under the endless sky.
She loved me sometimes, and I loved her too.
How could one not have loved her great still eyes.
Tonight I can write the saddest lines.
To think that I do not have her.
To feel that I have lost her.
To hear the immense night,
still more immense without her.
And the verse falls to the soul like dew to the pasture.
What does it matter that my love could not keep her.
The night is shattered and she is not with me.
This is all.
In the distance someone is singing.
In the distance.
My soul is not satisfied that it has lost her.
My sight searches for her as though to go to her.
My heart looks for her, and she is not with me.
The same night whitening the same trees.
We, of that time, are no longer the same.
I no longer love her, that's certain, but how I loved her.
My voice tried to find the wind to touch her hearing.
Another's.
She will be another's.
Like my kisses before.
Her void.
Her bright body.
Her inifinite eyes.
I no longer love her, that's certain, but maybe
I love her.
Love is so short, forgetting is so long.
Because through nights like this one I held her in my arms
my soul is not satisfied that it has lost her.
Though this be the last pain that she makes me suffer
and these the last verses
that I write for her.
Pablo Neruda

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Citações.

"Não são as coisas em si mesmas que perturbam os homens, mas os juízos que eles fazem sobre as coisas".
Epiteto (séc. I)

"Existem duas tragédias na vida. Uma é não conquistar o que seu coração deseja. A outra é conquistar".
Bernard Shaw (1903)

"Se alguma vez chegamos a admitir as nossas deficiências, fazemos isso por vaidade".
La Rochefoucauld (1665)

"Eles falam mal de mim? Ah, se me conhecessem como eu me conheço!"
Epiteto (séc.II)

"O amor é o desejo de alcançar a amizade de uma pessoa que nos atrai pela beleza".
Cícero (séc. II)

domingo, 28 de setembro de 2008

Esta mira...

Estamira é uma senhora que depois de sofrer abusos sexuais de familiares, apanhar do marido e ser traída inúmeras vezes, até dentro de sua própria casa, vai resolver viver no meio de um lixão no Rio de Janeiro. Na rua, ela é estuprada outras vezes e pede pelo amor de Deus por ajuda.
Ela tem um jeito de mirar a vida muito peculiar, de acordo com seu olhar de pessoa sofrida.

Desenvolveu uma doença mental e hoje não suporta ouvir falar de Deus ou Jesus. Segundo ela, ela é melhor que ambos. Ela sobreviveu aos dois.Não achou o alívio e apoio que a religião lhe tinha dito que receberia. Se pai e filho existissem, eles não a deixariam ter passado pelas coisas que passou. A vida é muito ruim e má, de acordo com Estamira.
Neste documentário, ela solta frases com uma insistência em afirmar ser uma pessoa lúcida.

"Não sou um robô sanguíneo".
"Minha cabeça não dói não, dá choque, dá agonia".
"Eu nunca tive aquela coisa que eu sou".

E termina dizendo: "Sabia que tudo que é imaginado existe, é e tem?"

sábado, 27 de setembro de 2008

O Estrangeiro - Parte 2

A noite da minha partida estava muito quente. Rio, 40 graus. Cidade maravilha da beleza do carnaval se despedia dos turistas na quarta-feira de cinzas. As fantasias eram adereços extras na bagagem dos “gringos” que deixavam a cidade, levando com eles, para suas casas, lembranças de um carnaval que passou.
Ao meu lado, no avião, um rapaz de olhos asiáticos estava em silêncio. Não me lembro como, mas começamos uma conversa de “reconhecimento” do local. Ele era brasileiro que estava indo para o Cairo. Lá era onde ele morava atualmente. Trabalhava para uma estatal e gostava do que fazia. Eu era um recém-decepcionado pela profissão que escolhera. Pensava em gastar o dinheiro obtido na tradução de um livro em uma realização de um sonho de criança. E eu estava gostando do que eu estava fazendo.

Logo a conversa se transformou em interrogatório: “Você está acompanhado? Você tem mais bagagem? Você está levando cadeado? Você conhece alguém lá? Você fez seguro?
Você sabe onde ficará? Você tem outra jaqueta?”
Para todas essas perguntas, a resposta era um não. E só então eu me dei conta de que não tinha pensado em nada disto antes.
Eu iria conhecer aqueles lugares com os quais tinha sonhado. Esta era uma certeza. Tinha minhas prioridades: entrar em um castelo, ver neve e visitar um campo de concentração nazista.

No trajeto Rio-Madri, agora eu tinha adquirido algo mais. Uma dor de barriga e uma ânsia de vômito causadas pelo interrogatório do japonês brasileiro que tinha me trazido à realidade e me feito ter vontade de seqüestrar o avião, exigir que o piloto retornasse ao Brasil, de preferência que me deixasse em casa. Não podia. Pedi à aeromoça que me arranjasse um remédio. Recusei o jantar da primeira viagem internacional da vida. Fechei os olhos para o que estava acontecendo. Era melhor não remoer os pensamentos agora. Procurei dormir.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O Estrangeiro- Parte 1

A origem das coisas

Estava aqui pensando como tudo começou. É muito difícil determinar o início das coisas quando elas parecem ter o seu rumo próprio e, sem planejamento, elas acontecem por elas mesmas.
São entidades dotadas de poder de realização, que a despeito da nossa vontade acontecem ou fazem acontecer situações na nossa vida.
O meu sonho começou por si só. Ou talvez tenha sido quando, aos treze anos, eu via uma colega de sala desfilar com uns cartões-postais, panfletos e livros da França. Ela estava muito contente por ter recebido todo aquele material diretamente da embaixada da França em Brasília. Bastou escrever uma carta para eles mostrando interesse no país e eles enviaram um farto material de causar inveja. Pelo menos em mim.
Troquei informações com ela e pedi que ela me desse os endereços de embaixadas em Brasília. Eu queria fazer o mesmo. No outro dia ela me trouxe uma lista com vários endereços e uma recomendação: não adiantava escrever para os países comunistas, tais como Alemanha Ocidental, China, Cuba, etc.
Eu fiz uma carta modelo e no dia seguinte eu mandei cartas para quase todas as embaixadas.
Depois de um mês eu recebia a minha primeira correspondência, da Suécia. Vinham algumas informações sobre o país que eu tinha uma curiosidade particular porque o meu pai se correspondia com uma mulher de lá quando ele era jovem. Eu tinha umas fotos dela e algumas cartas que ela tinha enviado para ele. Junto com o material estava um cartão postal de Estocolmo, a capital, num dia de inverno. Para mim, que até então não era da geração da internet e que, portanto, o acesso às fotos e textos não era lá tão fácil como é hoje, foi uma descoberta. Pela primeira vez eu via Estocolmo e através do cartão eu literalmente viajava, imaginando ruas, pessoas andando, a língua estranha que eles deveriam falar...
O mesmo aconteceu com cada material de embaixada que chegava. Eu conhecia o mundo sem sair do lugar. O efeito que isso tinha em mim era tão profundo, que só hoje, depois de uma grande distância dos fatos, é que eu me dou conta da influência que isto teria em mim nas minhas viagens. Como exemplo, eu não conheço os Estados Unidos e Portugal. Estes foram os únicos países que foram pouco amistosos comigo e negaram tanto informações como materiais. A França, país pelo qual eu guardo um apreço especial, foi o mais generoso em relação às matérias enviadas. Coincidência, ou não, eu tive o meu primeiro contato com um mundo que eu até então pouco conhecia e que viria a ser determinante em muitas coisas em minha vida no futuro.
Talvez, naquele momento, eu estivesse realmente começando a sonhar em conhecer outros mundos. Talvez esta passagem da minha vida tenha sido realmente a origem de tudo.

Dez anos mais tarde, eu havia me formado em veterinária. Eu já tinha feito inglês e tinha desistido de fazer o curso avançado de francês. O sonho de viajar para outros países só tinha aumentado, mas as condições financeiras não eram favoráveis para realizar a empreitada.
Um amigo meu da veterinária, atendendo os cachorros de uma criadora de collies, soube que ela tinha acabado de chegar da França com um livro de homeopatia veterinária. Sabendo que eu falava francês e era veterinário, ele me recomendou a ela para uma possível tradução do livro. A negociação foi acertada para que eu recebesse o pagamento em dólares. Isto porque o país estava passando por uma crise terrível, a nossa moeda era desvalorizada e como o prazo de tradução era longo, a moeda estrangeira seria uma forma de um pagamento mais justo para o meu trabalho, sem riscos de desvalorização.
Um ano mais tarde eu terminava a tradução e tinha comigo uns dois mil dólares. Nesta época eu estava passando por um momento de incerteza em relação à minha profissão e o Brasil acabava de adotar o real como moeda. Mais valorizado que o dólar, eu via agora o momento oportuno para fazer uma viagem ao exterior. Não me importava se eu não teria dinheiro suficiente para fazer tudo o que eu queria e com conforto. Eu queria era ir.
Além do meu dinheiro de tradução, pedi 400 dólares emprestados para uma amiga e mais 400 dólares para minha mãe. Daqui do Brasil, eu partiria com uma passagem de Europass, válida em vários países, sem determinação de quilometragem nem de número de viagens a serem feitas, desde que fosse em um prazo de dois meses, a contar do primeiro dia de utilização. Fora o meio de transporte, levava comigo uma agenda de anotações com fotos de cada região do Brasil, uma máquina fotográfica, uma lista de endereços de albergues e um caderno com horários de trens. A minha mochila vermelha continha mais uma calça jeans, muitas blusas de malha e cuecas, além de três cuecões, meias e um agasalho emprestado de um amigo. No total, eram 8 quilos de mochila para mais de 2 meses de viagem.

sábado, 30 de agosto de 2008

Histórias da dança de salão.

Músicas para dançar e letras que traduzem o muito da dança de salão.

Agora, justamente agora. Agora que eu penso em ir embora você me sorri.Passou a noite inteira com seu amor do lado fingindo um bocado.Mas, hoje em dia os amores são assim. Ele foi embora nem faz uma hora pensando, quem sabe nos beijos que você lhe deu. Tolo, pensou que beijar sua boca foi consolo. Despertou o instinto da fêmea e agora quer se deixar abater, se sentir caçada, dominada até desfalecer. Agora entendo o sorriso,ele é que não entendeu. Se não fez amor com você faço eu.

Sentindo o frio em minha alma, te convidei prá dançar. A tua voz me acalmava, são dois prá lá dois prá cá...Meu coração traiçoeiro batia mais que o bongô, tremia mais que as maracas descompassado de amor...Minha cabeça rodando, rodava mais que os casais. O teu perfume gardênia e não me perguntes mais...A tua mão no pescoço, as tuas costas macias, por quanto tempo rondaram as minhas noites vazias...No dedo um falso brilhante, brincos iguais ao colar e a ponta de um torturante Band-aid no calcanhar...Eu hoje, me embriagando de wisky com guaraná. Ouvi tua voz murmurando são dois prá lá ,dois prá cá...

Você só dança com ele e diz que é sem compromisso. É bom acabar com isso, não sou nenhum pai-joão. Quem trouxe você fui eu não faça papel de louca prá não haver bate-boca dentro do salão. Quando toca um samba e eu lhe tiro pra dançar você me diz: não, eu agora tenho par. E sai dançando com ele, alegre e feliz. Quando pára o samba, bate palma e pede bis.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Prece rúnica.

A verdade é que a vida é difícil e perigosa;
que quem busca a própria felicidade não a encontra;
que quem é fraco deve sofrer;
que quem exige amor será decepcionado;
que quem é faminto não será alimentado;
que quem busca a paz encontrará a luta;
que a verdade é apenas para os corajosos;
que a alegria é apenas para aquele que não receia estar sozinho;
que a vida é apenas para aquele que não tem medo de morrer.
(Joyce Cary)

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Muitos amigos?

A febre dos sites de relacionamento revela que fulano e cicrano têm 769 amigos. Ufa! Imagina ter que botar em dia as últimas notícias. Pessoas com as quais você nem troca scrap estão lá, na categoria de seus amigos. Então aparece aquela pessoa que pede "posso te adicionar?" e você aceita, lógico. Tenho amigos que dizem: adiciono só mulheres. Outros, de tempos em tempos fazem limpezas étnicas e tiram do mapa aqueles que estão lá por estar.
Pode parecer que sou contra isso. Não, tenho Orkut. Mas não deixa de ser engraçado como a gente se manifesta em todos os campos da vida. Todos com muitos amigos...
E para contribuir com aqueles que gostam do assunto, aí vão outros sites que são famosos mundo afora, mais usados até do que o "brasileiríssimo" Orkut:
http://www.bebo.com/
http://www.myspace.com/
http://pt-br.facebook.com/
http://www.meetup.com/

Na manhã.

Na primeira manhã que te perdi
Acordei mais cansado que sozinho (...)
Na segunda manhã que te perdi
Era tarde demais pra ser sozinho (...)

sábado, 9 de agosto de 2008

Aos sem pais.

Eu conheço pessoas com e sem pais.
Uns foram abandonados por eles; outros, tiveram a experiência de perdê-los na vida com a chegada da morte, assim como eu que me despedi definitivamente do meu quando eu tinha 16 anos.
Mas do grupo daqueles que têm pais, conheço um número, não muito pequeno, que na verdade não os têm. São aqueles filhos da geração de pais que achavam que eram paternos à medida que financiavam a alimentação da casa e os estudos dos filhos. Nada mal, principalmente nos dias de hoje, ter um pai que arque com esses gastos de forma competente. Mas não participavam tão intensamente da vida dos filhos, não eram carinhosos, não se importavam com o cotidiano dos seus rebentos. Deste grupo, também conheço muitas pessoas.
Como homem, fico pensando o porquê do fracasso dos pais na educação emocional dos filhos. O que nos ensinaram a ser? Por que ao homem era ensinado a ser desligado destas questões? Por que nos foi reservado ser o vilão da história (o fazedor de guerras, o traidor das donzelas apaixonadas, do competidor implacável por poder...). Por que existem movimentos feministas de proteção e estudo dos direitos das mulheres (forma positiva) e quando se fala de machismo o termo já é, em si, negativo? Será que deve-se isso tudo à testosterona?
Quando vejo um pai andando de bicicleta com o seu filho na praça, jogando futebol, eles rindo e se abraçando, me dá uma saudade do que não tive. Olho com uma curiosidade de pesquisador que tenta descobrir esse comportamento tão incomum.
Para este grupo de sortudos, desejo um ótimo dia dos pais.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Egoístas e generosos.

Uma trama diabólica. É assim que Flávio Gikovate, define a divisão do Mundo entre egoístas e generosos no livro O mal, o bem e mais além. Sua experiência em consultório o fez perceber que quase todos os casais – e também as relações sociais e entre amigos – fundamentam sua relação nas trocas estabelecidas entre uma personalidade mais exigente, barulhenta e emocionalmente sensível e outra mais madura, compreensiva ao extremo. Divisão um tanto maniqueísta? Gikovate diz que não. “A culpa não é minha se existem apenas dois tipos de pessoas”, afirma. A novidade presente no livro é que, segundo ele, os generosos não formam o time do bem, como julga o senso comum, nem os egoístas são os vilões. Sua hipótese é de que as diferentes reações a sentimentos humanos, como vaidade, inveja, culpa e humilhação, acabam por determinar o perfil de cada indivíduo. A miséria dos egoístas está no fato de que eles dependem dos generosos, assim como os generosos precisam dos egoístas.

Flávio Gikovate – O tema da moral está presente há algum tempo em meu trabalho, mas antes tratava o egoísmo como algo pior do que a generosidade. Em 1976, escrevi que havia dois tipos de amor, por diferença e por semelhança. A grande maioria dos casais se estabelecem entre pessoas antagônicas. Hoje, a moda é falar em alma gêmea, mas, na prática, as pessoas continuam se encantando por oposição e dizendo que os opostos se atraem. A atração por opostos tem muitas causas, desde a dificuldade de auto-estima (não gostar do seu jeito de ser e se encantar com o outro) até o medo da paixão, muito intensa, estabelecida entre semelhantes. A paixão, diferentemente da maioria das relações, se dá entre pessoas parecidas.

Paixão é amor em grande intensidade mais medo em grande intensidade. O coração não bate por amor, mas por medo. E muita gente acha que, quando a paixão vai passando, é como se o amor diminuísse também. Apenas o medo diminui. Mas muitas paixões terminam quando os amantes não suportam o que chamo de medo da felicidade. Ele está na raiz do pensamento supersticioso. O olho gordo tem cinco mil anos. O medo da felicidade surge quando estamos no meio de muita coisa boa e temos a impressão de que um raio vai cair na nossa cabeça. Muitos preferem se unir a uma pessoa diferente de si para garantir um pouco de irritação. Ligar-se a uma pessoa antagônica encanta e irrita ao mesmo tempo. Na paixão, as afinidades são enormes, os dois se encaixam maravilhosamente bem e o pânico se instala. As separações ocorrem por isso, e não por causa dos obstáculos.

Entre dois egoístas, a relação é impossível. Acontecem muitas brigas. Não dá problema psiquiátrico, mas ortopédico (risos). Quando o egoísta é casado com um generoso, pelo menos este coloca panos quentes. Quase sempre, a paixão ocorre entre dois generosos que acabam deixando de ser generosos. Seriam casais perfeitos se o generoso, tão atrapalhado psicologicamente quanto o egoísta, aprendesse a receber.

O egoísta é estourado, ciumento, gosta de fazer autopromoção, é extrovertido porque não consegue ficar sozinho e intolerante à frustração. Faz o diabo para não se frustrar, inclusive passar por cima dos direitos dos outros. A partir dos seis anos, a criança é capaz de abstrair e se colocar no lugar do outro. Se uma criança vê um menino em uma cadeira de rodas e se imagina em seu lugar, sofrerá com isso. E uma criança que não suporta essa dor interromperá esse processo. Fica com uma visão unilateral do mundo e perpetua um padrão egocêntrico. São pessoas invejosas, embora se mostrem sempre muito bem. Isso confunde até hoje os psicanalistas, que fundaram o conceito de narcisismo. É um conceito usado para descrever pessoas que têm a postura do “eu sou bacana”, como se elas tivessem realmente esse juízo de si, o que não é verdade. Elas sabem que são um blefe. Fingem superioridade por se saberem invejosas e ciumentas. Elas precisam receber mais do que recebem. Matematicamente, são pessoas falidas. Podem botar a banca que for, mas são fracas.

O generoso é o inverso do egoísta. Não reage nem quando deveria, não suporta provocar dor na outra pessoa, aceita dócil um monte de contrariedade. Fala um monte de sim quando deveria falar não. Quando você tem oito anos e é um menino bonzinho e seu irmão começa a chorar porque quer uma bola que é sua, você não agüenta o remorso que imagina que vai sentir e dá a bola para ele. Mas não era isso que você queria fazer. Aí a mãe vem e diz que você é legal. O elogio estimula a vaidade, que se acopla à generosidade. É mais uma vez um truque para se sentir superior à custa de uma fraqueza. O generoso também inveja o egoísta, que é capaz de dizer não e goza os prazeres da vida, enquanto o generoso é todo cheio de pudores e constrangimentos. Acabam ficando duas porcarias.

Para ter um filho bonzinho, tem que ter um filho pestinha. A mãe poderia chegar para o filho que quer a bola e dizer “não enche o saco, a bola é do seu irmão”. Mas ao reforçar a generosidade de um dos filhos, ela reforça também o egoísmo do outro. Não existe generosidade sem egoísmo. De vez em quando eu assisto a esses programas evangélicos na televisão e penso no que seria deles sem o Satanás. Não haveria programa. Essa dualidade é patética, ridícula. Para poder ser o bonzinho, o bacana, ir para o céu e ser uma teta na qual todos mamam, precisa haver os parasitas que vão lá mamar. Há uma aliança no domínio das elites entre o generoso e o egoísta. Comparo com o sacerdote e o guerreiro. O sacerdote seria o bonzinho e o guerreiro, o mau. Os dois sempre se freqüentaram e compartilharam poder.

Individualismo significa auto-suficiência. Egoísta e generoso não são auto-suficientes. O justo sim. Vai estabelecer relacionamentos nos quais não haverá necessidade de jogos de poder. Ele não dá mais do que recebe nem recebe mais do que dá. O interessante é que a sociedade moderna tende na direção do indivíduo justo.

Não dá para privilegiar coisas que não dão para todo mundo. Até os intelectuais cometem esse erro. Elementos de felicidade aristocrática, como a beleza, a riqueza e a inteligência, condenam à infelicidade o feio, o pobre, o que não teve acesso à educação. Sou favorável às felicidades democráticas, aquelas que dão para todo mundo, como o amor, por exemplo. O justo se satisfaz com isso. Ele não condena ninguém à infelicidade.

Todos têm que evoluir. As relações de qualidade serão as únicas estáveis, tanto as de amizade quanto as conjugais. E, quando a educação não parte de dois modelos concorrentes, os filhos saem todos legais. Além disso, é uma estupidez achar que casamentos sem brigas são tediosos. Só é chata a vida entre duas pessoas se elas forem chatas. O tédio deriva da falta de reciclagem por parte dos cônjuges. Mas não quer dizer que as disputas favoreçam a relação.
O sexo está acoplado à agressividade em nossa cultura – ele faz parte do domínio do demônio – e se complica um pouco nas relações de boa qualidade. Na nossa cultura, há inveja sempre que existe diferença. Freud falou na inveja do pênis pelas meninas. Na adolescência, os meninos passam a invejar o poder atraente das garotas. Aí, as meninas se tornam objetos de desejo e os homens ficam babando. É a origem do machismo e das piadas em relação às mulheres. O machão tem raiva e desejo pela mulher. Isso não significa que não pode haver sexo sem ódio.

Mas o generoso é esperto. Ele faz alianças de alta conveniência. Associa-se aos egoístas, que fazem as maracutaias, e ele se beneficia. O sócio é um safado que faz negócios ilícitos, mas ele aproveita o dinheiro, sendo sempre o bonzinho. O generoso é um oportunista disfarçado. Dá uma casa bonita para a família mas mora nela. Diz que não se incomoda em morar em um “moquifo”, mas tem dificuldade de se separar e abrir mão da casa. É tudo espetáculo. (Adaptado daRevista Isto É).

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Tempo...tempo...

Tempo hoje é uma commodity.Tem um valor que se negocia: se compra e se vende.É sinal de riqueza ou desperdício, necessário e valorizado de acordo com as leis de oferta e procura. Transformou-se em mercadoria.
Eu não sei lidar com o tempo.
Quando estou trabalhando, eu consumo o meu de tal forma que sobra pouco espaço para eu deixar de fazer coisas extras ao trabalho. Os dias vão se acumulando como as roupas e objetos em cima da minha mesa. Se juntam e esperam, pacientemente, a sua remoção, que se dará quase sempre aos domingos.
Quando estou de férias, tenho tantas vontades, tantas tarefas de férias acumuladas por fazer que ao final do período de ócio há sempre a frustração de que não deu tempo.
Sou tão obcecado pelo tempo que tiro fotos das coisas e das pessoas. Elas passam a ser testemunhas do meu tempo. É como um deus que aprisiona o instante que nunca mais vai voltar.
Sou o senhor do tempo.
Mas quando me surpreendo ao ver fotos amareladas e se apagando, me dou conta da bobagem que é me achar senhor de alguma coisa.
Ainda levo sustos ao me ver em fotos. Eu observo o tempo passando fora de mim e eu sendo levado por ele, sem nenhuma pena ou consideração por isso...

"Os anos se passaram enquanto eu dormia ... No espelho essa cara já não é minha
Mas é que quando eu me toquei achei tão estranho
A minha barba estava deste tamanho..." (Arnaldo Antunes)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

“You can’t always get what you want, but if you try sometimes, you just might find you get what you need!”
Mick Jagger.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Aniversários particulares.

Há 4 anos, eu me mudava para onde vivo hoje. Eu precisei de uns 2 anos para eu começar a sentir que este lugar era meu. Rubem Alves diz que o nosso lugar precisa estar como uma praça de andorinhas, cheia do cheiro delas, para que elas voltem no ano seguinte.
Eu perdi o meu cheiro de infância e de anos e anos vividos no Prado. De residencial, o lugar passou a ser mais comercial. Os vizinhos foram embora, morreram, tudo mudou. Antigamente as casas eram enormes com quartos imensos onde os irmãos dormiam juntos. Hoje os apartamentos são minúsculos e os irmãos dormem cada um em seu quarto. Meus sobrinhos mais novos não sabem o que é um barracão no fundo da casa, escadas com corrimão no jardim, quintal com mangueira, muro para conversar com vizinho e terraço para tomar sol. Casas foram ao chão e prédios, em nome da modernidade, foram erguidos para abrigar mais pessoas, mais carros, mais confusão. Os antigos moradores morreram e os filhos, cada um com os seus problemas e dívidas, rapidamente venderamm as casas dos pais. Anos de história vêm abaixo. Acho que acontece o que deverá acontecer também com minha família.
Hoje moro num bairro residencial. Mas não tenho história com ele. Vou para casa para dormir. Não sei os nomes das ruas. Não conheço meus vizinhos. Não sei onde posso achar o produto mais barato e nem desviar do trânsito pelas ruas adjacentes na hora do rush. Não sei cortar caminhos.
Dentro de casa também tem pouca história devido ao pouco tempo que passo dentro dela. Mas o que existe nela já tem mais o meu cheiro. Gosto de viver aqui.
Poucas pessoas freqüentam a minha casa além de mim. As que vêm aqui são porque são importantes. Sou cachorro no horóscopo chinês e talvez isto explique a minha relação com o meu lugar: pequeno ou grande, mas território meu. É aqui que eu me guardo.


Também hoje faz 2 anos que, definitivamente, freqüento uma escola de dança de salão. A dança tem se tornado importante para mim. Nestas férias vou ao Rio fazer um curso com pessoas de vários lugares do país. Eu não tinha isso em meus planos. É mais uma que a vida apronta para mim. Quando voltar, devo escrever sobre a experiência. Vamos ver o que estará reservado a mim.

domingo, 6 de julho de 2008

En tus brazos

http://www.youtube.com/watch?v=3PU5Tsx36E0
"O que acontece quando uma força incontrolável encontra um objeto irremovível"?

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Procurando o Outro.

Um recém emancipado garoto de 18 anos saiu para caçar no interior da selva amazônica como era de costume. Afinal de contas, seu pai já tinha lhe passado os segredos e os ofícios de caçador .Várias vezes que faltava comida em sua casa, lá ia ele até à mata conseguir um macaco, uma paca ou um tatu.
Mas naquele dia ele não voltou.
O pai saiu à sua procura. Os bombeiros, que normalmente em casos como esse procuram até o terceiro dia de desaparecimento, foram compelidos pelo pai a buscar por mais tempo. O pai dizia que não descansaria enquanto não o encontrassem: vivo ou morto.
Sábado passado o pai o encontrou. Depois de 49 dis de busca, o rapaz foi encontrado a 69 km de sua casa, 20 kg mais magro dos seus já parcos 50 kg: ferido, de cueca e camiseta, picado por todos os tipos de insetos e desidratado.
O pai o pegou no colo. Alguns insetos saíram de sua boca. Ele tentou balbuciar alguma palavra ao ver que o pai estava lá. Cerrou os dentes e se foi. Morreu nos braços do pai.
Apesar do óbvio conteúdo trágico e infeliz desta história, quem tem ouvidos para enxergar, que vejam; olhos para escutar, que ouçam: que bela história de amor paterno-filial. A não desistência da busca que se mescla à própria sobrevivência. O alívio ao abrir os olhos e reconhecer a face buscada e relaxar. Se deixar ir.
A busca do pai, do Outro. Não é preciso se perder nas florestas da vida para podermos imaginar o momento único de redenção de todos os esforços do rapaz e de alegria ao encontrar e, mais ainda, em saber que existia alguém à busca dele. Seja este Outro quem quer que seja. Ele soube que não tinham desistido dele.
Como deve ser bonito este encontro.

domingo, 29 de junho de 2008

Para todos.

Tá cansado, senta
Se acredita, tenta
Se tá frio, esquenta
Se tá fora, entra
Se pediu, agüenta...
Se sujou, cai fora
Se dá pé, namora
Tá doendo, chora
Tá caindo, escora
Não tá bom, melhora...
Se aperta, grite
Se tá chato, agite
Se não tem, credite
Se foi falta, apite
Se não é, imite...
Se é do mato, amanse
Trabalhou, descanse
Se tem festa, dance
Se tá longe, alcance
Use sua chance...
Se tá puto, quebre
Ta feliz, requebre
Se venceu, celebre
Se tá velho, alquebre
Corra atrás da lebre...
Se perdeu, procure
Se é seu, segure
Se tá mal, se cure
Se é verdade, jure
Quer saber, apure...
Se sobrou, congele
Se não vai, cancele
Se é inocente, apele
Escravo, se rebele
Nunca se atropele...
Se escreveu, remeta
Engrossou, se meta
E quer dever, prometa
Prá moldar, derreta
Não se submeta...
(Lenine)
"Eu só quero saber do que pode dar certo. Não tenho tempo a perder."
(Titãs)

domingo, 22 de junho de 2008

Fotógrafo

"Posar para retrato desnorteia.No fundo, considera os fotógrafos uns perversos, porque eles detêm e cultivam a prerrogativa de acentuar o lado monstruoso dos outros.
Quando um leigo vê um sorriso, angelicais, tímidos ou brincalhões, ocultam o diabólico. Escondem uma ambigüidade cruel, e os fotógrafos, somente os fotógrafos, sabem, como captá-la".
(Armando Antenore- Revista "Bravo")

São João


Em 1994 eu passei pela primeira e única vez até hoje em minha vida um dia de São João no Nordeste. Eu, brasileiro, não sabia o quanto esta data é importante para os lados de lá.

Na rua da Ilha de Itamaracá, as pessoas colocavam pequenas fogueiras nas calçadas e umas cadeiras na porta de casa para conversar e ver o movimento da rua.

Nas mesas, mugunzá(canjica para o sudeste), canjica(mingau de milho para nós), bolo de aipim(mandioca),milho assado... tudo de milho. A superstição de que quem acende a fogueira, mas não faz ela "vingar", é porque ano que vem esta pessoa não estará lá para tentar de novo(eufemismo para "bateu as botas").Portanto, capriche no fôlego e assopra!

O forró é ouvido na praça da cidade e todos dançam juntos, coladinhos, por horas. Muitos aproveitam o feriado de São João para rever a família.É uma festa mesmo e eu me senti num outro mundo porque não sabia que era tão importante e tradicional.

Desejo um pouco mais de festa em nossas vidas.E história. Se a gente não reinventar os nossos dias, constantemente, a coisa vai ficando feia!

E para comemorar, um pouco do genial Luiz Gonzaga. O vídeo no YOU TUBE é para se cantar uma das pérolas do rei do baião.


Olha pro céu, meu amor

Vê como ele está lindo

Olha praquele balão multicor

Como no céu vai sumindo

Foi numa noite, igual a esta

Que tu me deste o teu coração

O céu estava, assim em festa

Pois era noite de São João

Havia balões no ar
Xóte, baião no salão

E no terreiro

O teu olhar, que incendiou

Meu coração.


domingo, 15 de junho de 2008

Ensaio.


Não me interessa o espetáculo.
Nele já há a confirmação do que é possível.
A apresentação é a atração e beleza por si mesmas.
Naqueles poucos minutos, os corpos já ensaiados demonstram o resultado, o clímax de uma série de horas intermináveis de repetição, concentração e superação. Os corpos já se encontram alinhados, trabalhados, exatos.
O meu olhar se desvia para os bastidores onde o que se pretende ainda não existe concretamente. Há o espaço para o vir a ser. E o meu olhar de desloca para o olhar do aprendiz que observa, detalha, registra.
Me interessam o momento criativo, a música escolhida, o passo que traduz em movimentos a emoção que se sente.
O coreógrafo imagina, e solitário precisa do outro para se realizar. O outro é o veículo do sentimento do criador e nesta dependência equilibrada e harmônica (ah, sim porque o aprendiz está com sede do aprendizado), dá-se o início ao grande espetáculo: a dança.
Os sentimentos se materializam em passos e estes num vai-e-vem de ondas e giros e braços e olhares. As personagens vão se formando e aqueles seres que começaram já não são mais os mesmos.
Transformação pela dança.
É aqui onde meus olhos repousam.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Até tu Paris?

O meu envolvimento com a França começou quando resolvi, do nada, entrar na Aliança Francesa para conhecer o lugar. Saí de lá matriculado.
De lá para cá, foram anos de estudo, viagens, pessoas que me ensinaram a admirar a cultura, a educação, a tradição, a preocupação com o social, a história das revoluções, dos pensadores e dos filósofos.
Por causa disso, sempre que possível, eu assisto ao telejornal das 20:00 transmitido em Paris para eu ficar "por dentro" da notícia. E na edição de 10 de junho, tive a surpresa em ver que eles estão com sérios problemas de trânsito. Ao assistir às imagens, pensei que estivesse em BH e suas infindáveis motos, motociclistas atropelados em frente às câmeras, desrespeito com pedestres e uma bagunça geral no trânsito.
O resultado disso é que eu fiquei sem argumento. Antes, eu acreditava que a educação e a civilidade poderiam conter uma certa barbárie para a qual o mundo caminha. Hoje, minhas certezas me deixam com dúvidas e vejo um certo fracasso na minha frente.
Alguém, por acaso, sabe onde é a saída de emergência?

sábado, 7 de junho de 2008

Ciúme

O nordeste atrai muitos turistas. Muitos casais. Eles eram apenas mais um casal no meio daquela gente que subia e descia a escada que havia sido coberta por um manto em celebração da festa santa. A escada se deitava no morro, que separava a igreja e o manguezal. Ali era o Outeiro da Glória.
O casal, que estava em lua de mel, como tantos ali, se misturavam ao povo local. Em sua maioria, donas de casa com pele queimada de sol, panos coloridos na cabeça, rebolantes no seu vai-e-vem dos degraus e com filhos como pencas de bananas, dependurados pelos braços e pelas mãos. Os recém-casados param em frente a uma das muitas lojinhas que circulava a igreja. Vendia-se de tudo. A recém assim denominada esposa se encontra com os produtos artesanais de cores fortes exibidos na parede de uma loja, à beira da rua, caiada de branco e perfumada de sisal.
O vendedor era um típico nativo da região: cabelos crespos, mas longos, quase rastafári. Cor de madeira, braços bem torneados à mostra. Muito conversador, mas simpático. E sua amabilidade é tanta que ele se oferece por levar o casal para o rio que havia perto do manguezal, lá embaixo do morro. O casal prontamente aceita, mas o marido sabia que no final da escada, próximo ao mangue, havia o mar, não o rio.
Isto porque no dia anterior ele estivera ali, enquanto sua amada dormia e, por isso, desconhecia que aquele lugar era um déjà vu para seu marido. Enquanto ele pega as sacolas, o rapaz da loja conduz a esposa para baixo do morro: os dois iam sorridentes, conversando. Ele,todo prestativo, mostrando e explicando tudo do lugar. O marido, atrapalhado com as sacolas, é parado várias vezes pelos moradores da vila. Uns perguntavam se estavam gostando da estadia, outros, crianças, riam do seu empenho em carregar sozinho as várias sacolas e bolsas e ainda conseguir descer a escada coberta pelo manto santo. Foi quando então ele se deu conta de que no meio daquela pequena multidão, ele havia perdido o casal à vista.
Ele sentiu uma pontada no peito. Era o ciúme falando mais alto. Lá iam o vendedor sedutor e sua esposa, sozinhos, num lugar onde o nativo conhecia como a palma de sua mão. Mas por que sua esposa não o esperara? O que estariam fazendo agora? E a dor no peito se transformou numa resignação: o que tinha que acontecer aconteceria. Não havia mais nada a fazer naquele momento. O que ele poderia fazer? Sair em busca deles? Perambular pela região sem nunca encontrá-los? Não. Seria assumir um papel de bobo reservado a ele.
E as pessoas continuavam a pará-lo e a oferecê-lo comidas típicas. Crianças riam em sua direção com aquela curiosidade de quando se indaga: de onde ele vem? O que estará fazendo aqui no meio da escada, com tanta bagagem? Ele se maravilha com a movimentação. No dia anterior ele não tinha podido, mas agora, saca sua câmera fotográfica e começa a tirar fotos. Procura ângulos onde as cores fortes predominam. Aquele céu azul, sol forte contrastando mais ainda as nuances daquele lugar que parecia tão exótico. Lembrava sua idéia que tinha de Cuba.
Ele então olha para baixo, para onde a escada terminava. Um pedaço de chão e mais à frente uma vegetação alta. Ele fitava aquele muro verde de folhas e imaginava vê-los regressar. Molhados. Disfarce perfeito. Uma dúvida cruel lhe assolava. Ele, o nativo, voltaria na frente, ela, logo atrás, arrumando o cabelo, dizendo que tinha sido ótimo e que ele deveria ter ido também, pois eles o tinham esperado o tempo todo. E o nativo passaria por ele, daria uma tapa nas suas costas e diria: “E aí véio?”

sábado, 31 de maio de 2008

Freegans

Imagine um grupo de pessoas que sejam vegetarianas e que não adquiram nenhum produto que venha dos animais. Agora adicione uma ética e uma atitude política que seja contra o capitalismo e suas formas de consumismo. Ainda imagine que essas pessoas, como meio de vida e por que não, de protesto, esperem os supermercados, restaurantes e lojas se fecharem para recolherem do lixo a comida que não pode ser vendida por ter passado o prazo de validade. São jovens em sua maioria e querem fazer o mundo ver que o nosso sistema é excessivo em produzir lixo luxuoso, com roupas em bom estado e comida consumível. Muitos nem trabalham, porque trabalhar por dinheiro é desumano. Outros moram em casas abandonadas.
Essas pessoas existem e se denominam Freegans (reportagem da FOX News no You Tube: http://br.youtube.com/watch?v=MeVrXLFSOBQ). Tudo bem em relação ao idealismo de jovens que ainda acham que podem mudar o mundo, num tempo que nem a China ou Cuba conseguem se manter apáticas aos chamamentos do desejo do dinheirinho e de consumir. Mas eu fiquei pensando se eles pensam em ter filhos, depois que um rapaz encontrar aquela garota “lixeira” que ele sempre desejou. Seria condizente com as suas pregações ou seria mais ético adotar crianças abandonadas? Elas também não seriam resultado do modo de vida de nossa sociedade? Eles abandonariam o desejo de serem pais em nome da ideologia?
É mesmo difícil ser coerente nesta vida!

U-turn

http://www.dailymotion.com/video/xdm65_uturn-aaron

...for every step in any walk
any town of any thought I'll be your guide
for every street of any scene any place you've never been I'll be your guide.

U-turn (Aaron)

domingo, 25 de maio de 2008

Desejo e dança de salão.

Eu estava lendo uns artigos do site “Dance a Dois” quando vi um deles escrito por Ângela Vega sobre o filme “Chega de Saudade” de Laís Bodanzky, a mesma diretora do filme “Bicho de 7 Cabeças”(http://www.danceadois.com.br/portal/noticias/angela-vega-viu-chega-de-saudade.html). Eu tenho uma visão do filme um pouco diferente da que ela teve.
(Se você que estiver lendo este texto não o assistiu ainda, pare por aí. Posso estragar as surpresas do filme).
Em se tratando de uma diretora, Laís imprimiu uma ótica particularmente feminina. O filme começa, convidando a nós, espectadores, a entrarmos num baile para a terceira idade em São Paulo. A partir de então, é como se nós fossemos a personagem Bel (Maria Flor) que vai ao baile pela primeira vez para ajudar o namorado que é técnico de som. Ela é advertida, logo na entrada, de que com calça jeans, ela não pode entrar. Toda mulher tem que estar de saia. A dança de salão, como evento social, tem um código próprio a ser respeitado.
A partir daí, perambulamos pelo baile juntamente com a lente da câmera e encontramos pessoas e suas histórias de vida. São homens e mulheres que se (des)encontram no meio do salão, conduzidos pelo DESEJO. Este poderoso ingrediente de qualquer boa pessoa que ouse respirar um pouco de oxigênio neste mundo.
Como diz Caetano “a gente não sabe o lugar certo de colocar o desejo”. É assim que a trama vai se desenrolando. Por trás do desejo de conversar com a jovenzinha do baile, há o desejo da juventude. Mais do que a própria relação, há o desejo de sentir o momento do encontro, “do jardim, do cheiro de jasmim”. A jovem, para o maduro galanteador, é um pretexto para que ele recupere a juventude perdida de ontem, para que ele se sinta vivo outra vez. Por outro lado, esta mesma jovem é atravessada pelo baile e por emoções que ele provoca. Sua vida é revirada e ela tem a impressão de que seu romance não é um bolero, nem uma valsa. É uma música sem ritmo, nem cadência, dançada com um namorado garotão que ainda não aprendeu a como tratar uma mulher. Na dança, este cuidado e atenção são peças fundamentais. Ela percebe isso.
Mesmo se passando num baile para a terceira idade, os elementos normalmente encontrados na dança de salão estão presentes: a paquera, o ciúme, a inveja, a mentira do compromisso (se tem ou não namorado/a), o abandono (o chá de cadeira), a dificuldade de se entregar ao parceiro e a dificuldade de se amar uma pessoa que também sente prazer em dançar com outras pessoas.
A dança pode e muda a vida de muitas pessoas. Já percebeu que não é incomum ver pessoas que depois que aprendem a dançar arrumam “outras” coisas para fazer? Elas abandonam a escola de dança ou os bailes da vida. Outras entram na dança para conseguir coisas das quais não tinha acesso antes das aulas. Não são raras as vezes em que entrar para uma dança de salão seja uma prescrição médica ou psicológica contra depressão. Quantas pessoas têm pânico de dançar? Quantas se dizem “duras” e nem querem tentar? Buscam-se a melhor auto-estima, novos amores, reconhecimento, vencer a timidez, se expressar, e por aí vai.
O filme fala dos que pagam os “personal dancers”, do chá de cadeira, do “gambazão” que passa o tempo todo dançando sozinho, dos romances, dos encontros sexuais no salão com direito até a uma cena de masturbação feminina no banheiro. E é neste ponto que a autora do artigo mais sentiu desconforto. Quem dirá nunca ter sido abduzido do meio do salão para um mundo paralelo, onde só se encontrassem você e sua dama ou cavalheiro? E qual o problema disso acontecer na terceira idade também? Quem poderá dizer que desejo está por trás de cada casal disfarçado de “magia da dança”?
A cena de tango é quase toda filmada só com os pés dos dançarinos. Eles se comunicam com os passos. As rugas das atrizes não estão escondidas por maquiagem e nos lembram que o tempo é inexorável. Parceiros de longa data confessam o amor que esteve escondido por anos de ensaios. Um ex-internado por infarto vê no baile a sua salvação por poder reencontrar os amigos.
Enfim, são vidas tocadas pela dança.
E ao final do filme, que é o final do baile, quando as luzes se apagam, nós voltamos para casa cantarolando uma das músicas da trilha sonora. Eu vi senhoras saindo da sala de cinema dançando. Talvez elas estivessem pensando em sair correndo para um baile.

sábado, 24 de maio de 2008


"O tempo no retrato é um passado irrecuperável."
Rubem Alves

Escrever

“Escrever. Não posso.
Ninguém pode.
É preciso dizer: não se pode.
E se escreve.”
(Marguerite Duras)

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Este é para você.

Milton cantou: “Certas canções que ouço calam tão dentro de mim que perguntar carece, como não fui eu que fiz?”. Da mesma maneira eu me pergunto sobre os textos que leio.
A identificação, às vezes, é tão exata que duvido se o escritor(a) me conhece. Ou então, tenho inveja de não ter sido eu o autor da obra prima.
Porém, muitas são também as vezes em que as pessoas têm a opinião muito diferente da minha acerca de um determinado texto. Como assim, se estamos lendo a mesma página? As palavras, as frases, a pontuação está tudo lá revelando a mensagem do autor. Ledo engano. O texto, uma vez posto no papel, não mais nos pertence. Talvez, ousaria dizer que até quando ele está num estágio de borbulha na cabeça da gente (e quem escreve sabe o que eu digo), antes de colocá-lo para fora, ou ficarmos “livre”dele, ele já não mais nos pertença. O texto tem vida própria, é voluntarioso e nos castiga se não obedecemos às suas ordens.
O leitor, este voyeur da mente humana (perdendo lugar apenas para os psicólogos), lê e decodifica a mensagem. Lê à sua maneira, tira as suas próprias conclusões. Pronto! Um novo texto está escrito.
E o que também me intriga é saber em quem estava o escritor pensando ao escrever o texto? A quem ele se dirige? Quem espera encontrar na outra ponta da linha? Que olhos o interpretarão e dirão com aquela certeza absoluta de que se trata de um “bom” ou “mau” texto? Quem serão esses juízes a declarar a sentença de vida ou morte do que eu escrevo? A inspiração vem de onde?Em quem se pensa quando se escreve?
E como investigadores policiais, tento achar pistas de que ali, naquele ponto, o texto daquele autor fala de mim. Foi uma indireta. Fui desvendado.
E quando se conhece o autor/escritor, essas dúvidas se tornam ainda mais cruéis.
Afinal, a quem se dirige o texto?

Sejam bem vindos.

É interessante como, hoje em dia, a tecnologia substituiu muitas coisas que antes eram muito comuns.
Quem espera para ler as notícias impressas no jornal do dia seguinte? Quem fica ansioso com a chegada do carteiro com “aquela” carta que disseram que mandariam? Quem deixa traços dos erros cometidos ao se escrever um texto?
Hoje não se rabisca nada, se deleta. A página volta a ficar em branco, limpa. Não há risco.
Mas eu me arrisco a escrever besteiras, coisas que passam na cabeça de um cara cabreiro com algumas coisas da vida. Quem quer que leia meus escritos, que seja por sua conta e risco.
Seja bem vindo.