Eu estava lendo uns artigos do site “Dance a Dois” quando vi um deles escrito por Ângela Vega sobre o filme “Chega de Saudade” de Laís Bodanzky, a mesma diretora do filme “Bicho de 7 Cabeças”(http://www.danceadois.com.br/portal/noticias/angela-vega-viu-chega-de-saudade.html). Eu tenho uma visão do filme um pouco diferente da que ela teve.
(Se você que estiver lendo este texto não o assistiu ainda, pare por aí. Posso estragar as surpresas do filme).
Em se tratando de uma diretora, Laís imprimiu uma ótica particularmente feminina. O filme começa, convidando a nós, espectadores, a entrarmos num baile para a terceira idade em São Paulo. A partir de então, é como se nós fossemos a personagem Bel (Maria Flor) que vai ao baile pela primeira vez para ajudar o namorado que é técnico de som. Ela é advertida, logo na entrada, de que com calça jeans, ela não pode entrar. Toda mulher tem que estar de saia. A dança de salão, como evento social, tem um código próprio a ser respeitado.
A partir daí, perambulamos pelo baile juntamente com a lente da câmera e encontramos pessoas e suas histórias de vida. São homens e mulheres que se (des)encontram no meio do salão, conduzidos pelo DESEJO. Este poderoso ingrediente de qualquer boa pessoa que ouse respirar um pouco de oxigênio neste mundo.
Como diz Caetano “a gente não sabe o lugar certo de colocar o desejo”. É assim que a trama vai se desenrolando. Por trás do desejo de conversar com a jovenzinha do baile, há o desejo da juventude. Mais do que a própria relação, há o desejo de sentir o momento do encontro, “do jardim, do cheiro de jasmim”. A jovem, para o maduro galanteador, é um pretexto para que ele recupere a juventude perdida de ontem, para que ele se sinta vivo outra vez. Por outro lado, esta mesma jovem é atravessada pelo baile e por emoções que ele provoca. Sua vida é revirada e ela tem a impressão de que seu romance não é um bolero, nem uma valsa. É uma música sem ritmo, nem cadência, dançada com um namorado garotão que ainda não aprendeu a como tratar uma mulher. Na dança, este cuidado e atenção são peças fundamentais. Ela percebe isso.
Mesmo se passando num baile para a terceira idade, os elementos normalmente encontrados na dança de salão estão presentes: a paquera, o ciúme, a inveja, a mentira do compromisso (se tem ou não namorado/a), o abandono (o chá de cadeira), a dificuldade de se entregar ao parceiro e a dificuldade de se amar uma pessoa que também sente prazer em dançar com outras pessoas.
A dança pode e muda a vida de muitas pessoas. Já percebeu que não é incomum ver pessoas que depois que aprendem a dançar arrumam “outras” coisas para fazer? Elas abandonam a escola de dança ou os bailes da vida. Outras entram na dança para conseguir coisas das quais não tinha acesso antes das aulas. Não são raras as vezes em que entrar para uma dança de salão seja uma prescrição médica ou psicológica contra depressão. Quantas pessoas têm pânico de dançar? Quantas se dizem “duras” e nem querem tentar? Buscam-se a melhor auto-estima, novos amores, reconhecimento, vencer a timidez, se expressar, e por aí vai.
O filme fala dos que pagam os “personal dancers”, do chá de cadeira, do “gambazão” que passa o tempo todo dançando sozinho, dos romances, dos encontros sexuais no salão com direito até a uma cena de masturbação feminina no banheiro. E é neste ponto que a autora do artigo mais sentiu desconforto. Quem dirá nunca ter sido abduzido do meio do salão para um mundo paralelo, onde só se encontrassem você e sua dama ou cavalheiro? E qual o problema disso acontecer na terceira idade também? Quem poderá dizer que desejo está por trás de cada casal disfarçado de “magia da dança”?
A cena de tango é quase toda filmada só com os pés dos dançarinos. Eles se comunicam com os passos. As rugas das atrizes não estão escondidas por maquiagem e nos lembram que o tempo é inexorável. Parceiros de longa data confessam o amor que esteve escondido por anos de ensaios. Um ex-internado por infarto vê no baile a sua salvação por poder reencontrar os amigos.
Enfim, são vidas tocadas pela dança.
E ao final do filme, que é o final do baile, quando as luzes se apagam, nós voltamos para casa cantarolando uma das músicas da trilha sonora. Eu vi senhoras saindo da sala de cinema dançando. Talvez elas estivessem pensando em sair correndo para um baile.
3 comentários:
Gostei muito desse texto...
Gostei muito do seu texto...
Obrigadão.
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