sábado, 26 de novembro de 2016

O que é ajudar?

Havia um morador de rua que de tanto abraçar seu endereço ostensivo, causava comoção em alguns que passavam pelo lugar. Sujo, maltrapilho, louco(?), sozinho.
Tentou-se uma aproximação: ele lançou lama para os invasores. Tentaram de novo e desta vez receberam cusparadas. Então pensaram na oferta de um pacote de cigarro. Assim mesmo, como se aproxima de um animal selvagem, aos poucos, com cuidado para não assustar.
Depois houve o aceite do presente e um início de prosa:
- Venha conosco! Você vai para um lugar limpo, roupas novas, uma comida quentinha e gostosa para você comer, cama boa para deitar... venha!
Ao que o nosso morador do asfalto respondeu com um desvio de olhar desinteressado:
-Vá você!

domingo, 13 de novembro de 2016

Dia de chuva.

Retire a caneta da minha mão.
Não deixe o sol voltar.
Cale o pedreiro a me falar da Palavra do Senhor.
Tirem as pessoas alegres do recinto.
Não deixe meu pensamento voltar
porque hoje a minha gentileza é forçada.
Meu respirar está no automático
porque tenho muita coisa para limpar,
porque estou envergonhado do que sinto.
A energia está fraca,
uma tristeza sólida me faz companhia
e é injusto obrigar alguém
a ler o texto e chegar a este ponto.
É covardia... se esperar por algo bom
quando o que tenho a oferecer é só um clichê
da tristeza.
Tem gente que o faz com beleza...
eu, só, a minha angústia.

Do contra.

Se dê conta de que o encontro deixou de ser de faz de conta e conta com isso como uma prova de que o que está contra pode ser um conto de uma história. Deixe os contras e as contas serem suficientes para tentarem impedir um encontro. Não sejamos nós os que não crêem que as coisas podem vir ao encontro ao que queremos. Abaixemos as armas, lancemos fora os escudos e contemos um com o outro para que os nossos tempos valham os contos que são vividos. De longe, eu me dou conta que faço de conta que você está aqui para eu dar conta do desencontro presente agora, aqui, na sua ausência…

Instantes.


Primeira vez.


No passo preguiçoso de um trem veio a novidade para a cidade grande.
No olhar aos ratos ao redor do mendigo que dormia, chegou o espanto.
Na batata frita de um sanduíche, arranjou um xodó diferente.
Na conversa despretensiosa, um tocar escorregado revelou a pele.
Na rapidez de um impulso, um gosto desconhecido.
No inverno quente da noite esfriou-se uma distância e o que era uma aposta
Se fez concretude.
A escuridão morreu e raiou o sono.
Tudo num balanço dos minutos de tempos que não se contam em relógios.
Um escorregar de momentos que se alargavam e diminuíam os instantes contados.
Uma caminhada para olhar a rua e desejar voltar para o já conhecido.
Uma fugida do dever em direção ao simples querer.
Estar junto, olhar junto, respirar junto, comer junto.
Ser junto, ser diferente.
Uma palavra não dita,
um desejo não realizado,
uma lata de suco de uva não bebida,
uma toalha estendida,
sinal do que foi, prova da vinda.
Uma história escrita em quatro mãos,
Misturadas de histórias mal terminadas
Ou mal começadas ou mal entendidas.
Fica a insistência do pensamento teimoso em querer ficar,
Em querer lembrar, em querer repetir.
O quase nunca se distraiu e surgiu o talvez.
O último da esperança deu lugar à primeira vez.

Escrever


Escrever é falar aos ouvidos de papel,
um ouvinte que está parado,
rápido para te ouvir
sem te dizer como agir,
o que fazer, o que sentir.
Tentei ouvidos outros,
Fizeram-se de ouvidos moucos.
Outros foram ouvidos de mercador,
De tradutor, de predestinador,
De premonitor.
Escuta! 
Escrito, escuta?!