quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Estranhamento

"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu."
(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Que saudade de mim.

Há uma meia dúzia de anos, eu fui roubado de mim. Virei refém de dois rapazes que andaram comigo em busca de dinheiro e me ameaçavam, a todo momento, me tirar de mim. Diziam que iria ser com um tiro só, o que me deixava um alívio imaginar que seria quase indolor o final daquelas horas.


Tentei, neste tempo todo, e de várias formas, dar a volta por cima. Em parte, acho que consegui. Mas o que ainda sinto é um sentimento de ser refém das coisas e às vezes, das pessoas, que me causa um afastamento dessas mesmas coisas e pessoas.


Como resultado disso, eu mudei muito e em vários sentidos, para melhor. Mas percebo que me perdi também um pouco. Aquele rapaz sofreu um réveillon incomum que causou mudanças profundas neste renascer. Foi um parto a fórceps.


E hoje, sem depressão, apenas uma constatação.


Ganhei vida nova, mas o nascimento deixou cicatrizes.


Onde estou?

Por onde anda minha risada,

minha alegria?

Onde está minha casa,

minha comida?

Onde deixei meus chinelos,

meu descanso?

Onde está meu corpo,

meu canto?

Onde deixei minha inocência,

meu descanso?

Por onde anda minha cama,

minha companhia?

Onde está minha cachorra,

minha dama?

Onde deixei minha esperança toda,

minha alforria?

Por onde anda meu olhar,

quem ele procura?

Onde está minha amnésia,

minha caricatura?

Onde deixei minha vida?

sábado, 26 de dezembro de 2009

Dia especial.

Eu nunca consegui entender as festas de fim de ano. Talvez influenciado por filmes de cinema e histórias emotivas contadas geralmente nesta época, sempre esperei que algo muito especial acontecesse nessas datas.

Portanto, já passei o Natal e o Réveillon em diferentes lugares: em casa, na casa de outros, no sitio, na praia, em boates, na rua, na cama sozinho, bem acompanhado, em outros países, num lugar onde não gostaria de estar, numa busca desse algo diferente.

Não que estas ocasiões sejam ruins, deprimentes, mas também não são o contrário, uma história de filme de cinema. A distância entre o real e a fantasia é bem grande.

E se eu pudesse ampliar esse pensamento, isso caberia para quase todas as datas comemorativas impostas pelo calendário. Quando eu pensei que seria uma data especial, esta se mostrou geralmente aquém do que eu imaginava.

Os momentos especiais na minha vida se deram quando eu menos esperava. A surpresa da chegada dos instantes que me mobilizaram se deram em datas comuns.

Dias significativos que marcaram a memória e que se recusam a ir embora.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Amizade.

A mesma palavra tem significados diferentes de acordo com o texto ou o discurso em que figura. A importância disso é capital, pois significa que, para interpretar uma palavra, precisamos nos debruçar sobre o contexto do qual ela faz parte ou escutar verdadeiramente quem a profere. Do contrário, não a entendemos. O ensinamento básico de Sigmund Freud é esse e bastaria para justificar a psicanálise, se isso ainda fosse necessário.

A maioria das pessoas, no entanto, não se dispõe a escutar. Poucos nascem com essa capacidade, que pode e precisa ser desenvolvida. Escutar é um ato generoso. Implica que eu deixe momentaneamente de falar e esteja aberto para o que o outro tem a dizer.

A escuta é a característica do psicanalista e também do verdadeiro amigo – que não impõe a sua presença, não diz o que não deve ser dito e, assim, faz com que a amizade floresça. Ou seja, o amigo sabe se conter, exercita-se na ética da contenção. Por isso, ele é de paz e a sua maneira de ser pode servir de modelo para todas as outras relações: marido e mulher, pais e filhos e irmãos.

O que o filósofo e historiador grego Xenofonte escreveu 2 400 anos atrás poderia ter sido escrito hoje: "Um bom amigo é o mais precioso de todos os bens. Está sempre pronto a auxiliar... Há homens, contudo, que investem toda a sua energia no cultivo de árvores, para colher frutos, e são negligentes com o amigo, o bem que mais frutifica". O amigo vê e ouve o que não somos capazes de ver nem ouvir. Assim sendo, pode fazer por nós o que não temos como fazer por nós mesmos. Como o analista, ele ilumina o caminho.

Ele sabe suspender o seu desejo para que o do outro se manifeste. O que ele mais quer é o acordo. Está menos interessado nos eventuais benefícios materiais que a amizade pode trazer do que no fortalecimento desta. Visa sobretudo ao contentamento do outro e não deve ser confundido com o cúmplice, que visa ao próprio interesse e se liga a alguém em função do que almeja alcançar.

O elo de cumplicidade tende a ser efêmero, enquanto o de amizade é para sempre. Em outras palavras, o amor dos amigos nunca é de agora, e sim para a vida inteira. Também por isso, há milênios a amizade inspira escritores, que se perguntam de que modo escolher um amigo, quais as características de um amigo verdadeiro e o que nós devemos a ele. Os escritores – os melhores, entre eles – sabem que a amizade nasce espontaneamente, mas só dará os seus melhores frutos se for cultivada.

Betty Milan- Revista Veja/23/12/09

domingo, 13 de dezembro de 2009

Esquisitices.

Enfim estava no meu novo apartamento. Espaçoso, luminoso. Caberia e sobraria os móveis que eu tinha. Branco. Prazerosamente branco. Esses tipos de apartamentos antigos difíceis de encontrar hoje em dia.

Conversei com o porteiro e ele me deu uma informação geral de como as coisas funcionavam no condomínio: as regras. E claro, me informou quem eram meus vizinhos. Um deles, uma senhora de meia idade, reservava um canto em seu apartamento para guardar livros dos outros moradores. Todos tinham um lugar reservado para seus livros em seu lar. Ele me disse que ela os identificava com nomes dos seus proprietários. Ela formava, assim, uma biblioteca informal. Todos podiam ir lá, guardar seus pertences e pegar livros para ler. Tudo era cuidadosamente anotado.

No meio da primeira noite, acordei para tomar água e ir ao banheiro. Foi então que eu notei que a luz da sala estava acesa. Mas não me lembrava de tê-la deixado ligada. Surpreso, vejo que havia um mendigo dormindo em minha sala. Ele se encurvava para se proteger do vento frio que vinha da janela aberta. Ele e seu cachorro vira-lata. Fui até ele. Vi que havia uns papéis em cima da mesa de centro. Eram seus documentos. Ele tinha um nome, Estevão Cardoso Filho. Quis acordá-lo e dizer que ali não era sua casa, não era um lugar abandonado onde ele poderia dormir. Me perguntei como ele havia entrado lá, se isso seria um hábito, se já o haviam informado que havia um novo morador lá. Essas perguntas foram respondidas apenas no dia seguinte. O porteiro me disse que ele costumava fazer isso nas casas das pessoas. Ele era, de fato, um chaveiro e por isso tinha as cópias das chaves das casas que ele já atendera. Então, a cada dia, ele podia escolher em qual casa entrar, dormir e sair antes que o dono notasse sua presença. Seu lugar era no lugar dos outros.

Ao retornar para casa, depois de esclarecer minhas dúvidas, tive outra surpresa. Havia uma jovem mulher que usava meu telefone e falava sem parar. Quando ela me viu, veio logo se desculpando e afirmando que a imobiliária não a tinha dito que já tinham alugado o apartamento. Ela falava muito rápido enquanto se movimentava de um lado para o outro, de forma frenética, andando por todos os cômodos do lugar. E eu, sem notar, a seguia. Ao chegar à área de serviço, as grandes janelas me deixavam ver duas possíveis amigas conversando. Falavam de suas vidas íntimas. Problemas com namorados. E eu ali era apenas uma testemunha da vida dos outros, sem querer sê-lo. Me via obrigado a assistir a tudo. As janelas eram grandes, devassadas para o interior dos outros apartamentos.

E eu me peguei pensando: não é que eu estava gostando daquela esquisitice toda?

sábado, 12 de dezembro de 2009

Estresse.

Hoje está fazendo um ano que descobri que meu corpo me avisaria que eu não estava lá muito bem. Na tarde daquele dia de 2008, eu senti uma fisgada no olho e um tersol se formou no lugar. Este durou 6 meses para sarar. Um dia depois deste ir embora, outro tersol apareceu, no outro olho, que está aqui comigo até hoje. Há um mês, outro apareceu, no olho direito.

Para tentar tratá-los, fui a dois oftalmologistas, tomei TRÊS tipos de antibióticos, tive reação alérgica, fui à uma médica homeopata, cansei de buscar ajuda. Quando me olho no espelho, vejo os dois pontos nos meus olhos e me irrito. Estou começando a me cansar também.

A minha paciência está se esgotando. Hoje não acredito mais em quase nada. Na verdade, duvido que alguém saiba mesmo o que está fazendo. Uns talvez tenham mais idéia do que deve ser feito do que outras pessoas, mas me parece que é apenas uma questão de tentativa e erro. Certeza mesmo, ninguém tem, mesmo depois de anos e anos de experiência. O engraçado é fazerem uma cara e dizerem com uma segurança que sabem do que falam.

Como ainda trago no hábito de pensar que devemos aprender alguma coisa na vida, seja com as coisas boas ou tristes, cá estou querendo saber o que tudo isso quer dizer. O que devo aprender com isso. Atualmente, a única coisa que sei é da minha completa incompetência em gerenciar o meu tempo. Corro de lá para cá. Minha vida se dá no tique taque do relógio, do compromisso, dos deveres. Quando paro, sinto que esqueci de fazer alguma coisa. O corpo reclama da substância da qual ficou viciado: não ter tempo para mim mesmo.

Uma boa risada, daquelas que a barriga até dói, faz tempo.

Tenho saudades de muitas coisas que foram deixadas de lado por causa da rotina. Tenho preguiça de reinventar o meu modus vivendi.

Os dois pontos salientes nos meus olhos chamam a atenção das pessoas quando elas conversam comigo. Não sei se é uma forma inconsciente de fazer as pessoas olharem para mim, ou se serve para eu mudar os meus pontos de vista, meu modo de ver as coisas. Sei que estou impaciente. E muito.



"O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso." Mário Quintana.

Novos tempos.

Esbarro, sem querer, em minha aluna de 15 anos. Ela tira o braço rapidamente e faz uma careta de nojo e diz: Ai, fêssor.
Eu me desculpo. Ela continua: Não doeu não, mas é que você tem um braço cabeludo. Credo!
Atordodado com o comentário, eu respondo: Desculpa, mas eu sou do tempo em que homem tinha cabelo nos braços... e que as mulheres costumavam gostar.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Inteiro/Pedaço.

Ouvi dizer: A gente fica procurando a mulher inteira, a profissão inteira, a viagem inteira... completa. A questão é que a vida oferece tudo... mas aos pedaços.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

domingo, 18 de outubro de 2009

Ela.

Ele tinha chegado à nova casa, alugada. Iria começar tudo de novo. Daqui para frente seria tudo diferente. Mas como isto seria possível, se ele fora tomado de assombro ao perceber que era inquilino da família do outro? Este, dez anos mais moço, tinha o surpreendido ao aparecer depois da negociação com os proprietários da casa. O outro era filho deles. Que coincidência!

Ele era observado pelo outro de maneira indireta. Enquanto ele tentava colocar a cabeça no lugar, o outro cantava alto, brincava com o seu cachorro (ele também já tinha tido um cachorro igual ao do outro), recebia amigos, sempre alardeando sua presença. Mais precisamente, demarcando território.

Ele assistia a tudo sem muito ter o que fazer. Algo muito parecido quando viu um pássaro ser atacado por um bando de outros pássaros. O pobre nem se mexia tanto, perdido em meio a uma revoada de pássaros que lhe bicavam as costas, tiravam-lhe as penas. Ele entendia a posição do pássaro ferido. Sentia compaixão por ele. Resignava-se, assim como o pobre coitado que não tinha muito como reagir. Ele, no íntimo, via como a vida tinha lhe pregado uma surpresa ao fazê-lo morar na casa do outro: aquele de quem, um dia, tinha lhe roubado ela, por meio das razões do coração.

Ele não sentia culpa por isso. Ele já tinha inclusive tentado explicar isso ao outro. Ao conhecer ela, ele não sabia do outro. Mas compreendia os motivos deste odiá-lo e usar sua posição, no momento superior, para retornar o desprezo guardado há muito tempo e que não tinha por onde escoar.

A família do outro o tratava bem. Ele via pessoas chegarem à casa dos proprietários, quase sempre em grupos, porque no local se realizava uma reunião espírita mediúnica em alguns dias da semana. Eram religiosos, os pais do outro.

Num dia de quermesse, ele saiu para dar uma volta no quarteirão e ver as festividades. As crianças estavam animadas com a diversão. Os quase adolescentes se juntavam em bandos e ficavam a paquerar. Ele tinha inveja deles. Eram jovens. Estavam descobrindo a delícia de se encontrar enamorado.

Enquanto caminhava, ele se lembrava da última conversa que tinha tido com o outro. Ele havia escutado toda a amargura guardada e que lhe era exposta. Aceitava aquele desprezo, aquela desilusão, aquela raiva, porque já tinha sentido a mesma coisa. Isto lhe era familiar. Sabia que aquele era o tempo de escutar o outro falar.

Quando ele chegou em casa, ele viu o outro com uma criança no colo. Era filho do irmão dele, que também estava presente. Sem poder acreditar no que via, percebeu o outro com os olhos marejados indo em sua direção, depois de deixar a criança com o irmão. Abriu os braços e o abraçou. O irmão observava ele e o outro juntos, se abraçando e soluçando entre lágrimas, antes contidas. Era como ver dois soldados que lutavam em lados opostos se encontrarem e reconhecerem que tinham sido vítimas de uma mesma batalha: ela.

O irmão dizia: “Viu como ele é gente boa!”

Ele pensava: Quantas vezes ela já havia também abraçado o outro?

domingo, 27 de setembro de 2009

Desvios que a vida dá.

-É catapora. O médico disse. Nada de coçar, hein, ou ficará com as marcas para o resto da vida.

Para o menino de seis anos isto não era nada mau. Seria mais de uma semana em casa sem ter que ir à escola. Poderia ficar em casa e fazer uma das coisas que mais gostava: assistir a programas de animais na televisão.

Ao se levantar, bem cedo, assistia ao Mundo Animal sobre o Parque Nacional Kruger, na África do Sul. Depois era a vez do Daktari. Era um programa sobre um veterinário viúvo que tinha construído um hospital nos fundos de sua casa e cuidava de todos os animais que para ali eram trazidos. Ele tinha uma filha. No lugar também vivia um leão, Clarence, que por ser vesgo, não podia caçar e andava pela propriedade se comportando como um cão dócil. Daktari, na língua dos nativos do lugar, era “doutor”.

Depois deste programa, era hora do Tarzan. Flipper vinha em seguida.

De todas estas séries, Daktari realmente fascinava o menino. E de tão forte que ficou esta impressão, anos mais tarde ele se tornaria um veterinário também, com ênfase em animais silvestres.

Para estudar sobre um assunto que acenava com um futuro nada promissor dentre os ramos da profissão, andava com um raro livro de um “papa” sobre o assunto.

Após a graduação, o menino-homem foi trabalhar em um projeto de conservação e manejo de peixes-bois, numa ilha próxima de Recife, Itamaracá (do Tupi "pedra que canta" ou "pedra sonante"). Devido a problemas políticos da instituição, e depois de várias decepções com os “senhores” da fauna no país, o menino-homem resolveu largar a profissão e se dedicar a outra coisa que também gostava de fazer: estudar a língua estrangeira. Isto ele já fazia desde sua adolescência e se dedicaria a ela nos seus próximos anos.

Depois de algum tempo na nova profissão, foi chamado para ajudar um amigo dos tempos já idos da veterinária que iria trazer para um congresso no Brasil, um renomado veterinário de animais silvestres, um senhor perto de seus 80 anos. Ele faria o papel de intérprete e acompanharia o senhor durante sua estadia por aqui.

Depois de algumas viagens pelo interior de Minas, num mosteiro de padres da serra do Caraça, enquanto esperava o aparecimento do lobo-guará, o menino-homem quis saber como aquele senhor tinha se enveredado neste ramo. O que o tinha motivado a ser o que ele era.

-Eu fui criado em uma fazenda no estado de Utah e mexia com eqüinos, a minha paixão- o senhor explicou. Num dia, enquanto eu trabalhava em um haras no sul da Califórnia, fui chamado para atender a uma zebra que não estava bem num set de filmagem de um estúdio. Depois, uma girafa. Eu não sabia nada de zebras e nem de girafas, mas fui até o lugar onde eles estavam filmando uma série de TV. Fui ficando e acabei por me especializar em animais silvestres e a formar o primeiro curso sobre esta disciplina no mundo.

E durante a conversa, o menino-homem soube que estava diante do verdadeiro veterinário que cuidava dos animais da série Daktari. Ele tinha, diante de si, o verdadeiro profissional que o incentivara e marcara sua vida, desde os tempos de recuperação da catapora.

Mas o que os aproximou não tinha sido a veterinária, mas o inglês, a língua do estrangeiro.

E o menino-homem,sou eu.

domingo, 13 de setembro de 2009

Casamentos Possíveis

UMA DAS boas razões para se casar é a seguinte: uma vez casados, podemos culpar o casal por boa parte de nossas covardias e impotências.
O marido, por exemplo, pode responsabilizar mulher, filhos e casamento por ele ter desistido de ser o aventureiro que ainda dorme, inquieto, em seu peito. A decepção consigo mesmo é menos amarga quando é transformada em acusação: "Você está me impedindo de alcançar o que eu não tenho a coragem de querer".
Essas recriminações, que disfarçam nossos fracassos, não são unicamente masculinas.
Certo, os homens são quase sempre assombrados por impossíveis devaneios de grandeza -como se algum destino extraordinário e inalcançável já tivesse sido sonhado para eles (e foi mesmo, geralmente pelas suas mães). Diante de tamanha expectativa, é cômodo alegar que o casal foi o impedimento.
As mulheres, inversamente, seriam mais pé-no-chão, capazes de achar graça nas serventias do cotidiano. Por isso mesmo, aliás, elas encarnariam facilmente, para os homens, os limites que a realidade impõe aos sonhos que eles não têm a ousadia de realizar.
Agora, as mulheres também sonham. Há a dona de casa que acusa o marido, os filhos e o casamento por ela ter desistido de outra vida (eventualmente, profissional), que teria sido fonte de maiores alegrias. E há, sobre tudo, para muitas mulheres, um sonho romântico de amor avassalador e irresistível, do qual, justamente, elas desistem por causa de marido, filhos e casamento.
Com isso, d. Quixote se queixa de que sua mulher esconde seus livros de cavalaria e o impede de sair à cata de moinhos de vento. E Madame Bovary se queixa de que seu marido esconde seus livros de amor e a impede de sair pelos bailes, à cata de paixões sublimes e elegantes.
Pena que raramente eles consigam ter os mesmos sonhos. Um problema é que os sonhos dos homens podem ser de conquista, mas dificilmente de amor, pois eles derivam diretamente das esperanças que as mães depositam em seus filhos, e, claro, uma mãe pode esperar que seu rebento varão seja um dom-juan, mas raramente esperará ser substituída por outra mulher no coração do filho.
Não pense que esse fogo cruzado de acusações seja causa recorrente de divórcio. Ao contrário, ele faz a força do casamento, pois, atrás da acusação ("É por sua causa que deixei de realizar meus sonhos"), ouve-se: "Ainda bem que você está aqui, do meu lado, fornecendo-me assim uma desculpa -sem você, eu teria de encarar a verdade, e a verdade é que eu mesmo não paro de trair meus próprios sonhos".
Ou seja, em geral, a gente casa com a pessoa "certa": a que podemos culpar por nossos fracassos. E essa, repito, não é uma razão para separar-se. Ao contrário, seria uma boa razão para ficar juntos.
Quando a coisa aperta, não é porque sonhos e devaneios teriam sido frustrados "por causa do outro", mas pelas "cobranças", que, elas sim, podem se revelar insuportáveis.
Um exemplo masculino. Uma mulher me permite acreditar que é por causa dela que eu não consigo ser o que quero: graças a Deus, não posso mais tentar minha sorte no garimpo agora que tenho esposa, filhos e tal. Até aqui, tudo bem. Como compensação pelos sonhos dos quais eu desisti, passo as tardes de domingo afogando num sofá e soltando foguetes quando meu time marca um gol, mas eis que, no meio do jogo, minha mulher me pede para brincar com as crianças ou para ir até à padaria e comprar o necessário para o café - logo a mim, que deveria estar explorando as fontes do Nilo ou negociando a paz entre os senhores da guerra da Somália.
Essa cobrança, aparentemente chata, poderia salvar-me da morosa constatação do fracasso de meus sonhos e das ninharias com as quais me consolo. Talvez, aliás, ela me ajudasse a encontrar prazer e satisfação na vida concreta, nos afetos cotidianos. Mas não é o que acontece: o que ouço é mais uma voz que confirma minha insuficiência.
À cobrança dos sonhos dos quais desisti acrescenta-se a cobrança de quem foi (ou é) "causa" de minha desistência e razão de meu "sacrifício": "Olhe só, mesmo assim, ela não está satisfeita comigo." Em suma, não presto, nunca, para mulher alguma -nem para a mãe que queria que eu fosse herói nem para a esposa para quem renunciei a ser herói. E a corda arrebenta.
O ideal seria aceitar que nosso par nos acuse de seus fracassos e, além disso, não lhe pedir nada. Difícil.

CONTARDO CALLIGARIS - Folha de São Paulo 10/09/09

domingo, 12 de julho de 2009

Pra pensar!

A frase do primeiro ano do novo milênio poderia ser a de João Guimarães Rosa: Viver é perigoso. Mas a maneira como o perigo nos ronda no mundo não é a mesma em todo o lugar. Na Europa ou nos Estados Unidos, o sujeito pode ser vítima de um atentado a qualquer momento. Quando entra no metrô em Paris ou Nova York, tem que se certificar de que não há pacote ou maleta abandonada, é indiretamente convocado pelos alto-falantes a se engajar na luta antiterrorista.
No Brasil, não há terrorismo, mas o risco de ser vítima de um assalto à mão armada é contínuo. Porque o assalto tanto pode ocorrer na rua quanto em casa. E, como a possibilidade de assassinato é grande, o medo é aterrador. Sete mil pessoas foram assassinadas em São Paulo neste ano. O dobro do World Trade Center.
Para viver aqui, é preciso ter consciência do risco e estar treinado para resistir. Saber que, a qualquer momento, o ladrão pode entrar em cena, e é necessário agir com inteligência para limitar a sua ação. Ou seja, aceitar a perspectiva de ser surpreendido e não se deixar levar pela surpresa.
Por isso uma nova delegacia prolifera no país, a Delegacia Anti-sequestros, que difunde o seguinte comunicado:

Não anote telefone residencial no verso do seu cheque, especialmente no posto de gasolina. No caso de assalto, o telefone pode ser usado para ameaça. Sobretudo se você for uma mulher.
Não exiba, no carro, adesivo da sua faculdade, do condomínio onde você reside, da sua academia de ginástica. O extorsionário se valerá desses dados para ameaçá-lo.
Não faça compras por telefone ou pela internet fornecendo o número do cartão de crédito.
No trânsito, mantenha-se a uma distância segura do carro da frente. Para sair - se preciso for - numa só manobra, sem bater. À noite, calcule o tempo e a velocidade para não parar no farol vermelho, porque o risco de morrer em roubo de farol é consideravelmente maior do que num sequestro.
Se você for assaltado, mantenha as mãos no volante e procure se comunicar, indicando claramente o que vai fazer. Se quiser tirar o cinto, por exemplo, informe: «Vou tirar o cinto com esta mão». Se o assaltante pedir a carteira, diga: «A carteira está no bolso de trás, o senhor me autoriza a pegar?».

O texto mostra que a preservação da vida implica a obediência às seguintes regras: não dar informação sobre si mesmo - residência, trabalho, banco -, não respeitar as regras do trânsito e não fazer nada sem o acordo do assaltante.
Aconselha, portanto, a nos exercitarmos na dissimulação, na desobediência civil e na negociação com o ladrão, cuja legitimidade é assim reconhecida. Noutras palavras, ensina a contrariar a nossa formação e a legitimar o crime para salvar a pele. A formação é para os tempos de paz e o Brasil está em guerra.

Educar é ensinar a paz. Folha de São Paulo, Caderno Equilíbrio. São Paulo, 31 de Janeiro de 2002.

domingo, 28 de junho de 2009

Wake up Cat



Acordando um amigo!

domingo, 7 de junho de 2009

Como diria Drummond

Se meu verso não agradou, foi o seu ouvido que o entortou.

domingo, 24 de maio de 2009

Êta paixão

"Um carpinteiro de Taiwan comprou um DVD pornô e acabou descobrindo a traição de sua mulher. O filme foi gravado secretamente em um motel onde sua mulher manteve relações sexuais com um amigo do marido, segundo o jornal taiwanês "Liberty Times".

O marido, identificado apenas pelo sobrenome Lee, descobriu a traição da mulher após comprar o DVD em 2002. Em agosto de 2008, Lee atacou o açougueiro na cidade de Chungli e acertou uma facada na coxa do ex-amigo.

De acordo com o jornal, o filme pornográfico tinha sido feito com uma câmera escondida no motel e estava em um DVD chamado "casos com as esposas dos outros", que o marido comprou de um vendedor para assistir em casa.

Lee, que vive no Condado de Taoyuan, se separou da mulher depois de assistir ao filme. O ex-amigo fugiu da aldeia. O açougueiro processou Lee por agressão física, mas Lee não conseguiu processar o açougueiro por adultério, porque já havia passado cinco anos.

A Justiça pediu para os homens resolverem o caso fora dos tribunais, mas eles recusaram. Lee foi indiciado na terça-feira acusado de provocar danos corporais em outra pessoa, segundo relatou o jornal "Liberty Times".

Lee deve pegar menos de seis meses na prisão, pena que pode ser convertida em multa.
"

Alguns comentários que ouvi foram os de que a vida prega mesmo umas peças na gente. O homem vai em busca de algo para apimentar sua vida sexual,procura um DVD pornô e dá de cara com sua mulher lá. Outra pessoa disse que isso é que era paixão. Ele procura e encontra a mulher dele em todo lugar. A vida, como ela é!

domingo, 17 de maio de 2009

Beauvoir e Sartre.

Li na Folha este trecho de uma entrevista com Fernanda Montenegro.

"Em Beauvoir, por trás do discurso emancipacionista e da defesa do amor livre, parece haver traços de romantismo. Digo isso porque, em "Viver sem Tempos Mortos", a personagem comenta a relação com Jean-Paul Sartre desta maneira: "Nossa vida não tinha sentido para além do nosso amor".

Fernanda - Mas será que é romântico? Ela diz uma coisa que eles cumpriram: o amor estava acima das vidas, e nada modificaria isso, nem uma possível separação, nem futuras paixões, nem a guerra. Portanto, não acho que seja uma visão romântica. A não ser que, toda vez que se fale de amor, a gente vá lá e o derrube com esse rótulo. Ela estava falando de um amor acima de futura separação, de futuras paixões e mesmo de uma guerra. E isso eles cumpriram, mesmo sem mais nenhum interesse sexual. Acima da relação sexual. Só se for uma visão romântica à la Schiller, Goethe, lá nos primórdios da conceituaçao do romantismo. "

Quantos no mundo podem ter "a sorte de um amor tranquilo com sabor de fruta mordida", como diz Cazuza?

Eu visitei, um dia, o cemitério de Montparnasse, e logo que entrei, um túmulo me chamou a atenção. Era o de Sartre e de Beauvoir, ali juntamente eternizados como prova de tudo que foi dito anteriormente.

A despeito do que os outros dizem, e com um pedido sincero de desculpas às futuras amantes, eu tenho alguém para dividir meu descanso.



domingo, 10 de maio de 2009

O quarto.

Meu pai desapareceu quando eu era criança. Num dia qualquer ele saiu sem se despedir e nunca mais voltou.

Minha mãe cuidou de nós, isto é, de mim e de minhas irmãs. Crescemos sem ele.

Eu me casei com uma mulher muito geniosa. Ela era do tipo que tinha as palavras certas para as horas certas. Minha mãe gostava dela. Em brigas e discussões, era do lado dela que minha mãe ficava.

E então a vida transcorria calmamente quando uma notícia surpreendente chegou até meus ouvidos: seu pai está aí!

Como assim? Como ele podia reaparecer se ele tinha , digamos, por assim dizer, morrido? Mas ele tinha voltado.

Depois de algum tempo de explicação, estranhamento e adaptação, a família estava, enfim, completa. Todos nós felizes de novo. Minha mãe tinha se readaptado ao ronco de um homem ao seu lado. Acredito que o que facilitou sua readaptação tenha sido um charme que ele ainda conservava. Havia envelhecido, mas para minha mãe continuava atraente.

Num dia qualquer, do qual eu já não me lembro, meu pai começou a fazer as mesmas coisas que ele fazia antes de desaparecer. Nós notávamos isso. E para não deixar mais que a situação se repetisse, decidimos trancá-lo no quarto. Minha mãe assistia a tudo sem dizer nada. Estava feliz em tê-lo ali, mesmo que trancado no quarto. Ainda mais porque desta vez, enquanto minha mulher fechava a porta, todos podiam ver meu pai desaparecendo de nossa vista, tendo ao seu lado, uma mala no chão. Sim, estávamos certos de que ele o faria se não fosse a decisão de trancá-lo no quarto.

Mais um dia se passou e encontramos minha mãe, na cozinha, olhando fixamente por cima da mesa, como se pensasse na vida, no que iria fazer... pensamento ao longe... inexpressivo.

Eu cheguei até ela e tive que me sentar ao ver que a porta do quarto estava aberta. Onde estavam as malas? O meu pai?

Alguém (já não me lembro direito) me explicou que assim que saímos, o meu pai tinha conseguido sair também. Ou talvez, minha mãe o tivesse ajudado. Eu não sabia o que pensar. Eu não podia acreditar.

Minha mãe olhou para mim e num gesto rápido, pegou uma lâmina de cortar papel que estava na mesa e veio para cima de mim. Ela queria me cortar e assim o fez, no meu ombro esquerdo. Graças às mãos que me protegiam eu tive um corte sim, mas de raspão. O sangue surgiu do risco em forma de filamento. Eu sabia que cortes não precisavam ser profundos para isso acontecer. Sabia que iria sangrar bastante, mas que iria estancar, sem precisar de pontos cirúrgicos.

Ela estava ali, olhando fixamente para mim, com a mão segurando a lâmina. E alguém segurando sua mão. Era certo que eu parecia com meu pai, mas ela estava descontando aquilo tudo em mim. Isto não era justo. Talvez, sendo eu seu único filho e não uma de suas filhas, ela transferia para mim o desejo de ter feito aquilo com meu pai.

Este que desaparecera. Mais uma vez. Deixando minha mãe sozinha na cozinha. Com uma lâmina na mão.

domingo, 3 de maio de 2009

Ann Pachett

"Só porque as coisas não saíram como você esperava não significa que tudo deu errado... o segredo é encontrar um equilíbrio entre correr atrás até o que você quer e estar aberto às coisas que acabam por chegar até você."

sábado, 2 de maio de 2009

Mulheres sedutoras.

Uma vez escutei uma frase que não saiu mais da minha cabeça: "Há mulheres que não querem ser amadas, elas querem ser desejadas".
Ao ler um texto da revista Veja, transcrevo aqui parte do que a psicanalista Betty Milan disse sobre isso:

"Ser livre é querer o que a gente pode". De imediato, não entendi.

Recentemente, na coluna semanal que mantenho em Veja.com, respondi a uma leitora cuja história ilustra a frase de Sartre. Apesar de casada, ela não resiste ao ímpeto de seduzir, empenhando-se em conquistar outros homens. Aproxima-se até conseguir. Não faz sexo, só procura despertar o sentimento amoroso. Quer o pretendente aos seus pés.

Como o personagem Don Juan, essa leitora seduz pelo gosto de vencer a resistência e se afirmar. Como ele, não ama ninguém. Amor, só por si mesma. Serve-se dos homens para suscitar a paixão e se sentir vitoriosa. A sua referência é a guerra e o fim que justifica os meios.

Mas ela sofre com o ímpeto a que está sujeita. Sobretudo quando o seduzido se apaixona e quer uma relação que ela não pode sustentar. Conquistar é um imperativo a que obedece cegamente e que não a deixa viver como deseja. Trata-se de um imperativo que a impede de ser livre.

Nos termos de Françoise Sagan, ela não é livre porque quer o que não pode. O austríaco Sigmund Freud, criador da psicanálise, diria que está sujeita a uma compulsão inconsciente, e esta a faz agir como um robô, pois se entrega a uma caçada que não interessa e resulta num contínuo desassossego.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Pai, afasta de mim esse "cale-se"

Em pleno 2009, ainda não temos o direito de falar o que queremos.

O politicamente correto nos impede de falar o que sentimos e pensamos.

Os rabos presos também.

Eu sei o quanto é ruim recebermos críticas, mas quando vêm de forma embasada, elas podem ser de grande ajuda para se dar um melhoramento nas nossas ações.

Eu gosto muito de discutir com gente inteligente. Mesmo que eu não concorde, gosto de ver como a pessoa expressa seus pensamentos. Não importa muito se concordando, ou não, eu refino meus argumentos, adiciono visões que tinham me escapado. Tudo por conta do pensamento do outro. Isto é liberdade. Isto é democracia. Isto é do que eu gosto.

Mas sei que não falo tudo.

As pessoas, no geral, tomam as críticas para o lado pessoal. Muitas são melindrosas.

É uma pena. Todos perdem uma oportunidade de crescer com pontos de vista diferentes. A isenção de antes em poder criticar o que não se tinha gostado, se transforma em cúmplice de maus gostos. Tudo por conta de favores trocados. Dívidas assumidas em trocas de elogios mútuos para satisfazerem o ego de cada um e não aborrecer ninguém.

Para aqueles que quiserem uma dica, quando eu gosto de alguma coisa, eu falo.

Quando não, eu me calo.

Por isso, não me perguntem se eu gostei de algo. Não vou conseguir mentir e você pode não gostar do que vai escutar.

Curta na tela.

"Fessô, você sabe que poderia ser um psicólogo?"
"Eu, por que?"
"Você fala umas coisas que poê a gente para pensar.Quando você fala, a gente entende."

Pensei em dizer, não disse, só pensei:

Minha querida, psicólogo não fala. E quando fala, a gente não entende.

domingo, 12 de abril de 2009

Segredos

Eu procuro um amor

Que ainda não encontrei
Diferente de todos que amei...

Nos seus olhos quero descobrir
Uma razão para viver
E as feridas dessa vida
Eu quero esquecer...

Pode ser que eu a encontre
Numa fila de cinema
Numa esquina
Ou numa mesa de bar...

Procuro um amor
Que seja bom prá mim
Vou procurar
Eu vou até o fim...

E eu vou tratá-la bem
Prá que ela não tenha medo
Quando começar a conhecer
Os meus segredos...

Pode ser que eu gagueje
Sem saber o que falar
Mas eu disfarço
E não saio sem ela de lá...

Procuro um amor
Que seja bom prá mim
Vou procurar
Eu vou até o fim...

(Frejat)

sábado, 11 de abril de 2009

Curta-dizeres

"Quem disse que os desejos têm que ser realizados?"

"A fidelidade é uma perversão".

"Casamento não é confessionário".

"Ciúme e TPM é falta de educação".

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Aqui é o meu país.

"A minha obsessão não era um capricho, era uma loucura. Se no início ainda podia parecer uma veleidade adolescente, com os anos acabou se revelando uma reação natural à constatação de que eu tinha esgotado todas as chances de fazer parte deste mundo, de me sentir integrado a ele, e que não bastava falar português, ter nascido e viver no Brasil, era preciso escrever também, para não correr o risco de pisar no Japão, por necessidade, sem conseguir dizer mais que duas frases em japonês, como a minha irmã, eu disse ao homem com lábio leporino, em inglês, quando comecei a contar a história. (...) A literatura podia ser minha miragem, mas pelo menos era uma forma de abraçar o inferno como pátria. No fundo, era nisso que eu acreditava. Escrever em português era para mim uma forma de romper com a ilusão de imigrantes dos bisavós(que era impossível escapar ou voltar atrás) e reconhecer de uma vez por todas que estamos todos amaldiçoados, onde quer que seja. Sempre. E que o Céu é aqui mesmo."
Bernardo Carvalho " O sol se põe em São Paulo".

quarta-feira, 4 de março de 2009

Ah, os médicos!

Eu estou com um pequeno problema no olho. Algo que vi e não gostei. Como consequência, tenho me encontrado com médicos mais do que desejava.
Ao ler uma reportagem de Domingos Oliveira na revista Bravo, vi que ele escreveu como se fosse eu. Disse o que eu queria dizer.

"Existem profissões nobres e outras bastardas. Ou, no mínimo, suspeitas. Nesta segunda lista, que é longa, estão policiais, banqueiros, militares, advogados e , sem dúvida, os médicos."
"Os médicos, malgrado a nobreza de sua atividade, são, na sua quase totalidade, homens frios, por excesso de contato com a morte. Assim sendo, têm que infantilizar os pacientes, mentem, atrasam seus horários sem pedir desculpas, têm manias de exames intrusivos, nenhum escrúpulo de usar os pacientes como cobaias das novas tecnologias e são inimigos ideológicos dos poderes curativos da mente humana."
"Acho altamente duvidosa a medicina preventiva. Acho que ela pode, muitas vezes, acelerar as doenças. Impedir que o corpo faça o serviço de torná-las crônicas ou curá-las. No nível de CTI, por exemplo, a coisa se torna filosófica. É a luta contra a morte sem escrúpulos. Retalham homens, colocam-nos dependentes de máquinas etc., sem duvidarem se aquilo está certo, é o "procedimento". Como se a vida valesse a pena de qualquer modo. A vida somente vale a pena em certas circunstâncias. Em Shakespeare, uma personagem morre pela honra, pelo amor, pela pátria, pela dignidade etc. Há muitas coisas pelas quais vale a pena morrer. O dogma de colocar a vida no ponto mais alto da escala de valores humanos é altamente dubitável."
"Quando é preciso parar de lutar pela vida e sim lutar por uma boa morte?

domingo, 1 de março de 2009

Felicidade.

Uma vez, eu insisti muito que uma amiga não desistisse do brilho do olhar, das batidas fortes de coração, do prazer que ela sentia em fazer o que mais gostava na vida.
Às vezes nos distanciamos do que nos faz sermos felizes porque aquilo que gostamos não remunera bem. Outras vezes, é porque achamos que o tempo passou e não dá para revivermos os momentos do passado.
Ela me disse: não voltarei a fazer isto de novo. Nunca mais. É para sempre.
E hoje eu digo a ela o que Milton Nascimento diz em Beatriz "Prá sempre é sempre por um triz", e Renato Russo "o pra sempre, sempre acaba".
Hoje estou feliz por ela não ter desistido. Ela voltou a sentir as mesmas emoções de antes.
É um recomeço.
E eu estou muito feliz por isso.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Sobre os bailes de dança de salão.

A dança de salão ganha uma propaganda positiva todo ano com programas de TV que fazem até os mais desengonçados “famosos” entrarem no ritmo. Creio que as escolas de dança devem ter visto um aumento de pessoas na procura por aulas para aprender a dançar.

Mas há pessoas que reclamam que quando vão aos bailes, são sempre os mesmos que encontram. Outras ainda torcem para que muitos bailes ocorram em BH para termos chance de escolher aonde ir.

Vejo, porém, uma propaganda contrária feita pelos que deveriam promover a dança de salão em BH. A seleção musical, muitas das vezes, não é cuidadosa. Pagamos de 10 a 15 reais para ir aos bailes. Por este preço podemos dançar por 3 a 4 horas geralmente. O conforto das pessoas que vão aos bailes é colocado à prova.

Os horários de início nem sempre são respeitados.

O piso pode ser escorregadio, grudento ou terminar com a sola do seu sapato.

O espaço é pequeno na maioria dos lugares.

Geralmente não há ventilação e faz calor.

Se você quiser se refrescar no banheiro, vá só até a primeira hora, porque depois não encontrará sabonete líquido (se é que há) ou papel toalha para se refazer.

A água, bebidas e comida, em geral, são caras. O lucro deve sair daí.

A iluminação é negligenciada e não parece haver muita preocupação com o clima para a dança.

Se quisermos ter ambientes de dança de salão que valham a pena ir, temos que em pensar em detalhes, sim. O preço cobrado acaba saindo caro do jeito que está.

A desculpa para não se investir não pode ser mais a de que não há pessoas suficientes para manter o lugar funcionando. Com certeza, sem essas melhorias, a única coisa garantida será cada vez mais, menos pessoas nos bailes.

PS: Em tempo: visitei uma escola recentemente ( não importa agora dizer onde) em que havia até um vestiário masculino e feminino com duas duchas para os alunos e professores. Conforto e cuidado com a gente é isso aí.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Votos de bom 2009, diferente.

Saiu na Folha de São Paulo, por Contardo Calligaris.

"Mas o mais importante é que a complacência com o totalitarismo segue sendo a chave mestra que explica quase todas as patologias de nossa relação com as coletividades (nações, torcidas, religiões, culturas, partidos etc).
Claro, pertencer a um grupo e se deixar levar por ele é sempre menos cansativo do que decidir por nossa conta. A ponto que as razões para aderir ao grupo se tornam indiferentes: o que importa é o conforto que o grupo oferece a seus membros.
Em outras palavras, para não ter que pensar e agir sozinho, o homem "bom" topa qualquer parada."

E ele continua... "Paradoxo crucial: um grupo pode se unir ao redor de uma ideologia ou de uma convicção na qual quase nenhum de seus membros, em sã consciência, acredita, mas que todos compartilham apenas PARA constituir um grupo -ou seja, pelo prazer de sair quebrando vitrinas, linchando negros e "bichas", torturando calouros, apedrejando o ônibus da torcida oposta. E qual é esse "prazer"?
Simples, é o prazer de esquecer a dificuldade de viver, tirando das costas o fardo e a responsabilidade de julgar com a nossa cabeça. Pois bem, aqui vão meus votos de um Ano-Novo corajoso, livre das pequenas (e terrificantes) complacências do nosso dia-a-dia."

domingo, 25 de janeiro de 2009

Uma das minhas surpresas da viagem foi que me deparei com uma placa com a palavra que deu origem ao meu nome: RODERICK.



Uma das minhas surpresas da viagem foi que me deparei com uma placa com a palavra que deu origem ao meu nome: RODERICK.

"Poder da fama" do alemão hrod "fama" e ric "rico, poder".

Dizem que o nome era comumente usado pelos Visigodos. Surgiu com o nascimento do seu último rei, também conhecido por Rodrigo, que morreu lutando contra os muçulmanos que invadiram a Espanha no séc. VIII.

Também tem cognatos no Old Norse, ou a língua falada na Escandinávia até meados dos anos 1300 em regiões Vikings, bem como no alemão do oeste.

Foi introduzido na Inglaterra pelos escandinavos e pelos Normandos. Desapareceu da sociedade depois da Idade Média e foi revivido no mundo inglês pelo poema do Sir Walter Scott, 'The Vision of Don Roderick' (1811).


Roderic e Rodric são formas escocesas.

E você, qual é a origem do seu nome?

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Uma vírgula.

A vírgula pode ser uma pausa… ou não.
Não, espere.
Não espere.

Ela pode sumir com seu dinheiro.
23,4.
2,34.

Pode ser autoritária.
Aceito, obrigado.
Aceito obrigado.

Pode criar heróis.
Isso só, ele resolve.
Isso só ele resolve.

E vilões.
Esse, juiz, é corrupto.
Esse juiz é corrupto.

Ela pode ser a solução.
Vamos perder, nada foi resolvido.
Vamos perder nada, foi resolvido.

A vírgula muda uma opinião.
Não queremos saber.
Não, queremos saber.

Uma vírgula muda tudo.

ABI: 100 anos lutando
para que ninguém mude uma vírgula da sua informação.

domingo, 18 de janeiro de 2009

2009


Férias.
Tempo de descansar.
Para mim, eu descanso viajando, vendo pessoas e paisagens diferentes.
Este ano novo começou bem.
Espero que para você também.