domingo, 12 de julho de 2009

Pra pensar!

A frase do primeiro ano do novo milênio poderia ser a de João Guimarães Rosa: Viver é perigoso. Mas a maneira como o perigo nos ronda no mundo não é a mesma em todo o lugar. Na Europa ou nos Estados Unidos, o sujeito pode ser vítima de um atentado a qualquer momento. Quando entra no metrô em Paris ou Nova York, tem que se certificar de que não há pacote ou maleta abandonada, é indiretamente convocado pelos alto-falantes a se engajar na luta antiterrorista.
No Brasil, não há terrorismo, mas o risco de ser vítima de um assalto à mão armada é contínuo. Porque o assalto tanto pode ocorrer na rua quanto em casa. E, como a possibilidade de assassinato é grande, o medo é aterrador. Sete mil pessoas foram assassinadas em São Paulo neste ano. O dobro do World Trade Center.
Para viver aqui, é preciso ter consciência do risco e estar treinado para resistir. Saber que, a qualquer momento, o ladrão pode entrar em cena, e é necessário agir com inteligência para limitar a sua ação. Ou seja, aceitar a perspectiva de ser surpreendido e não se deixar levar pela surpresa.
Por isso uma nova delegacia prolifera no país, a Delegacia Anti-sequestros, que difunde o seguinte comunicado:

Não anote telefone residencial no verso do seu cheque, especialmente no posto de gasolina. No caso de assalto, o telefone pode ser usado para ameaça. Sobretudo se você for uma mulher.
Não exiba, no carro, adesivo da sua faculdade, do condomínio onde você reside, da sua academia de ginástica. O extorsionário se valerá desses dados para ameaçá-lo.
Não faça compras por telefone ou pela internet fornecendo o número do cartão de crédito.
No trânsito, mantenha-se a uma distância segura do carro da frente. Para sair - se preciso for - numa só manobra, sem bater. À noite, calcule o tempo e a velocidade para não parar no farol vermelho, porque o risco de morrer em roubo de farol é consideravelmente maior do que num sequestro.
Se você for assaltado, mantenha as mãos no volante e procure se comunicar, indicando claramente o que vai fazer. Se quiser tirar o cinto, por exemplo, informe: «Vou tirar o cinto com esta mão». Se o assaltante pedir a carteira, diga: «A carteira está no bolso de trás, o senhor me autoriza a pegar?».

O texto mostra que a preservação da vida implica a obediência às seguintes regras: não dar informação sobre si mesmo - residência, trabalho, banco -, não respeitar as regras do trânsito e não fazer nada sem o acordo do assaltante.
Aconselha, portanto, a nos exercitarmos na dissimulação, na desobediência civil e na negociação com o ladrão, cuja legitimidade é assim reconhecida. Noutras palavras, ensina a contrariar a nossa formação e a legitimar o crime para salvar a pele. A formação é para os tempos de paz e o Brasil está em guerra.

Educar é ensinar a paz. Folha de São Paulo, Caderno Equilíbrio. São Paulo, 31 de Janeiro de 2002.