domingo, 13 de dezembro de 2009

Esquisitices.

Enfim estava no meu novo apartamento. Espaçoso, luminoso. Caberia e sobraria os móveis que eu tinha. Branco. Prazerosamente branco. Esses tipos de apartamentos antigos difíceis de encontrar hoje em dia.

Conversei com o porteiro e ele me deu uma informação geral de como as coisas funcionavam no condomínio: as regras. E claro, me informou quem eram meus vizinhos. Um deles, uma senhora de meia idade, reservava um canto em seu apartamento para guardar livros dos outros moradores. Todos tinham um lugar reservado para seus livros em seu lar. Ele me disse que ela os identificava com nomes dos seus proprietários. Ela formava, assim, uma biblioteca informal. Todos podiam ir lá, guardar seus pertences e pegar livros para ler. Tudo era cuidadosamente anotado.

No meio da primeira noite, acordei para tomar água e ir ao banheiro. Foi então que eu notei que a luz da sala estava acesa. Mas não me lembrava de tê-la deixado ligada. Surpreso, vejo que havia um mendigo dormindo em minha sala. Ele se encurvava para se proteger do vento frio que vinha da janela aberta. Ele e seu cachorro vira-lata. Fui até ele. Vi que havia uns papéis em cima da mesa de centro. Eram seus documentos. Ele tinha um nome, Estevão Cardoso Filho. Quis acordá-lo e dizer que ali não era sua casa, não era um lugar abandonado onde ele poderia dormir. Me perguntei como ele havia entrado lá, se isso seria um hábito, se já o haviam informado que havia um novo morador lá. Essas perguntas foram respondidas apenas no dia seguinte. O porteiro me disse que ele costumava fazer isso nas casas das pessoas. Ele era, de fato, um chaveiro e por isso tinha as cópias das chaves das casas que ele já atendera. Então, a cada dia, ele podia escolher em qual casa entrar, dormir e sair antes que o dono notasse sua presença. Seu lugar era no lugar dos outros.

Ao retornar para casa, depois de esclarecer minhas dúvidas, tive outra surpresa. Havia uma jovem mulher que usava meu telefone e falava sem parar. Quando ela me viu, veio logo se desculpando e afirmando que a imobiliária não a tinha dito que já tinham alugado o apartamento. Ela falava muito rápido enquanto se movimentava de um lado para o outro, de forma frenética, andando por todos os cômodos do lugar. E eu, sem notar, a seguia. Ao chegar à área de serviço, as grandes janelas me deixavam ver duas possíveis amigas conversando. Falavam de suas vidas íntimas. Problemas com namorados. E eu ali era apenas uma testemunha da vida dos outros, sem querer sê-lo. Me via obrigado a assistir a tudo. As janelas eram grandes, devassadas para o interior dos outros apartamentos.

E eu me peguei pensando: não é que eu estava gostando daquela esquisitice toda?

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