-É catapora. O médico disse. Nada de coçar, hein, ou ficará com as marcas para o resto da vida.
Para o menino de seis anos isto não era nada mau. Seria mais de uma semana em casa sem ter que ir à escola. Poderia ficar em casa e fazer uma das coisas que mais gostava: assistir a programas de animais na televisão.
Ao se levantar, bem cedo, assistia ao Mundo Animal sobre o Parque Nacional Kruger, na África do Sul. Depois era a vez do Daktari. Era um programa sobre um veterinário viúvo que tinha construído um hospital nos fundos de sua casa e cuidava de todos os animais que para ali eram trazidos. Ele tinha uma filha. No lugar também vivia um leão, Clarence, que por ser vesgo, não podia caçar e andava pela propriedade se comportando como um cão dócil. Daktari, na língua dos nativos do lugar, era “doutor”.
Depois deste programa, era hora do Tarzan. Flipper vinha em seguida.
De todas estas séries, Daktari realmente fascinava o menino. E de tão forte que ficou esta impressão, anos mais tarde ele se tornaria um veterinário também, com ênfase em animais silvestres.
Para estudar sobre um assunto que acenava com um futuro nada promissor dentre os ramos da profissão, andava com um raro livro de um “papa” sobre o assunto.
Após a graduação, o menino-homem foi trabalhar em um projeto de conservação e manejo de peixes-bois, numa ilha próxima de Recife, Itamaracá (do Tupi "pedra que canta" ou "pedra sonante"). Devido a problemas políticos da instituição, e depois de várias decepções com os “senhores” da fauna no país, o menino-homem resolveu largar a profissão e se dedicar a outra coisa que também gostava de fazer: estudar a língua estrangeira. Isto ele já fazia desde sua adolescência e se dedicaria a ela nos seus próximos anos.
Depois de algum tempo na nova profissão, foi chamado para ajudar um amigo dos tempos já idos da veterinária que iria trazer para um congresso no Brasil, um renomado veterinário de animais silvestres, um senhor perto de seus 80 anos. Ele faria o papel de intérprete e acompanharia o senhor durante sua estadia por aqui.
Depois de algumas viagens pelo interior de Minas, num mosteiro de padres da serra do Caraça, enquanto esperava o aparecimento do lobo-guará, o menino-homem quis saber como aquele senhor tinha se enveredado neste ramo. O que o tinha motivado a ser o que ele era.
-Eu fui criado em uma fazenda no estado de Utah e mexia com eqüinos, a minha paixão- o senhor explicou. Num dia, enquanto eu trabalhava em um haras no sul da Califórnia, fui chamado para atender a uma zebra que não estava bem num set de filmagem de um estúdio. Depois, uma girafa. Eu não sabia nada de zebras e nem de girafas, mas fui até o lugar onde eles estavam filmando uma série de TV. Fui ficando e acabei por me especializar em animais silvestres e a formar o primeiro curso sobre esta disciplina no mundo.
E durante a conversa, o menino-homem soube que estava diante do verdadeiro veterinário que cuidava dos animais da série Daktari. Ele tinha, diante de si, o verdadeiro profissional que o incentivara e marcara sua vida, desde os tempos de recuperação da catapora.
Mas o que os aproximou não tinha sido a veterinária, mas o inglês, a língua do estrangeiro.
E o menino-homem,sou eu.