Quando
se fala em Pinóquio logo pensa-se em mentira. Esta conexão imediata faz parte
do imaginário popular, mas eu tenho uma visão um pouco diferente desta
personagem criada por um italiano, Carlo Collodi, em Florença,
no ano de 1881
(em italiano, Le avventure di Pinocchio. Storia
di un burattino).
A narrativa conta a história
de um boneco de pau que, como encantado, vive como se fosse gente. Passa por
várias aventuras, muitas dificuldades, faz muitas maldades, sofre privações e
se redime ao começar a ajudar os outros, trabalhar, e fazer o bem. Consegue o
respeito das pessoas a quem prejudicou no passado e, de repente, se descobre
humano. Uma clara alusão do se tornar humano fazendo-se o bem, ou seja, uma
cartilha de bem proceder para as crianças da época.
Burattino pode ser traduzido
como um boneco, uma marionete. O tema da história, além de seu objetivo
educador, trata deste boneco que quer ser humano. Mas mais do que isso, na
minha visão particular, o que é ser você?
Pinóquio, enquanto boneco, é
jogado para lá e para cá, pois não toma as decisões, todos os fatos se sucedem
um ao outro sem o seu controle. E não é assim que a gente se sente na maior
parte da vida? O que, de fato, nós conseguimos controlar em nossas vidas?
Talvez o cartão de crédito, as contas em dia, a roupa que vamos vestir, mas o
que mais? No momento em que colocamos o pé na estrada da vida, as coisas,
pessoas, situações vão se sucedendo e nós temos que, sem bula, aprender a lidar
com cada uma delas.
Quando Pinóquio
pergunta: "Eu sou um menino de verdade?", A resposta da Fada é:
"Não Pinóquio. Prove-se corajoso, verdadeiro e altruísta e um dia você
será um menino de verdade". Vamos substituir esta Fada por outras palavras,
a título de exercício: mãe, escola, sociedade, religião… o menino de verdade é
aquilo que todas essas palavras esperam de nós. Mas, e o que queremos nós?
A realidade nos
aparece, cada dia mais frequentemente, sob a máscara de pessoas que não ligam a
mínima para ética, gentileza, gratidão, cumplicidade. Eu poderia continuar esta
lista aqui indefinidamente. E é neste ponto que o meu olhar para a história do
boneco diferencia do senso comum. Corresponder ao que é esperado de nós não nos
traz garantia de sermos mais humanos ou felizes. Essa expectativa dos outros
pode nos aprisionar, assim como as cordas de uma marionete. Se tornar humano,
para mim o mesmo que tornar-me o que sou, vem da experiência singular de me
livrar, aos poucos, destas amarras que vêm atreladas a nós, talvez mesmo antes
de nascermos.
Possivelmente
esta seja a tarefa mais difícil da vida. Como lidar com todos os lados que
temos, com todos os defeitos e virtudes, com o nosso lado sombra, doente,
crônico a nos visitar? Como retirar as demãos de tinta e verniz que nos
colocaram, ou nos ensinaram a nos pintar, até chegarmos no que mais próximo
seja(m) nossa(s) cor(es)?
Não conseguimos
corresponder aos outros e nem eles à nós. Se esperarmos isso, vamos sempre nos
decepcionar. A desilusão é muitas vezes o melhor remédio. O enxergar o outro
também como uma marionete que luta para arrebentar-se das cordas ajuda
bastante. Acho que tendemos a nos acharmos acima da média, ledo engano! No
fundo somos muito parecidos. E enquanto buscarmos essa similaridade humana,
estejamos prontos para descobrir peculiaridades, particularidades.
O primeiro
passo do boneco sem cordas pode ser trôpego no início. Depois, pode deixar que
ele se acostuma.
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