quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Prazer em me conhecer.

 
Sou de um país cujo nome já existia antes dele mesmo ter sido “inventado”. É que a oeste da Irlanda, no oceano Atlântico, segundo lendas antigas irlandeses, havia uma ilha de nome Brazil, originário provavelmente de um antigo clã irlandês chamado Breasail. De acordo com documentos, ela já aparecia em cartas náuticas de 1325. Seria uma ilha que ficava invisível pela neblina e que só aparecia um dia a cada sete anos. Apesar de vista, jamais poderia ser alcançada. Talvez tenha dado início a um mito do Brasil do futuro, daquele que vai pra frente… pelo menos a lenda é mais poética do que a história conhecida do pau-brasil.

Meu Estado brasileiro surgiu da busca de riquezas. Vislumbrava-se nele a chance do futuro enriquecimento que culminou na capitania São Paulo e Minas de Ouro em 1709, desmembrada depois de 11 anos em Minas Gerais. Seus índios eram do tronco linguístico macro-jê: os xacriabás, os maxacalis, os crenaques, os aranãs, os mocurins, os atu-auá-araxás e os puris. Como todos os outros do Brasil os nativos foram, aos poucos, sendo dizimados. Entre 1700 e 1850, 160 grupos de negros africanos de três regiões distintas foram trazidos para Minas Gerais: os sudaneses, os bantus e os moçambiques. Esses se misturaram com os portugueses e os brasileiros, essa estirpe de gente  viralata de longa formação histórica que começou em 1500.

Moro em Belo Horizonte, cuja história inicia-se no século XVII com a fixação do bandeirante João Leite da Silva Ortiz nas terras delimitadas entre o pé da Serra do Congonhas até a Lagoinha. Neste local, Ortiz inicia a atividade agrícola e pastoril que desenvolve a área tornando-a centro de abastecimento e produção num setor pouco explorado, já que na época o foco estava voltado para exploração do ouro. Este local, denominado "Cercado", tinha sido concedido em documento através da Carta de Sesmaria àquele bandeirante, em 19 de janeiro de 1711. Ortiz, bandeirante, natural de São Francisco, Estado de São Paulo, foi o primeiro homem civilizado a habitar e possuir o local onde hoje está BH. Mais tarde, "Cercado" transforma-se num centro de atração de outros povoados passando a ser denominado "Curral d`El Rey" por ali existir um curral onde pernoitava o gado destinado ao pagamento da taxas reais. Com a Proclamação da República, os moradores de "Curral d`El Rey"sentiram a necessidade de mudar o nome do distrito. Foram indicados: Terra Nova, Santa Cruz, Nova Floresta, Cruzeiro do Sul e Novo Horizonte, sendo este último, pelo Capitão José Carlos Vaz de Mello, o mais aceito, não sem sofrer uma importante alteração sugerida por Luiz Daniel Cornélio de Cerqueira que propõe o nome Belo Horizonte. A idéia de mudança da Capital de Ouro Preto para Belo Horizonte tinha como opositores o povo ouropretano, que durou até a inauguração da nova Capital em 12 de dezembro de 1897. O projeto urbanístico da nova capital, pautado pela ideologia positivista republicana, concebia a utopia de uma cidade ideal, ordenada, iluminada e saneada, como marco de uma nova era, contrapondo-se à antiga ordem imperial enraizada nas tradições políticas e culturais de Ouro Preto. Mais um lugar surgido do imaginário de um povo.

Fui criado no bairro onde, por uma de suas principais vias, a rua Platina, passaram as primeiras carroças que transportaram material para construção da cidade. O bairro foi originalmente pensado como um local apropriado para corridas de cavalo, o Prado Mineiro, primeiro hipódromo de Belo Horizonte, inaugurado em 1909. A sociedade se encontrava aqui para assistir às corridas de cavalo. Com o tempo, o antigo hipódromo daria lugar a um campo de futebol, onde eram disputados jogos do campeonato mineiro. Também ficou conhecido por ter sediado o primeiro vôo oficial de avião da cidade realizado pelo piloto italiano Dariolli. O avião, àquela época, era totalmente desconhecido da população, tendo sido visto antes apenas no cinema. Vivi muito entre as ruas do bairro de nomes de pedras preciosas: Ametista, Rubi, Esmeralda, Turquesa…

Atualmente vivo em um bairro cujo nome deriva do Colégio Batista Mineiro, uma instituição de ensino inaugurada em 1º de março de 1918, na Rua Tupinambás, centro da capital, que a partir de 1920, se transferiria para a região leste, que era tomada pelo mato. Na medida em que o colégio foi vendendo parte de sua área, novas ruas foram surgindo. Sei que o meu terreno fez parte de uma das fazendas que existiam no local. Aqui perto há um lugar que hoje abriga muitas pessoas e que antes era um curral para os cavalos dos tropeiros que guardavam aí, a sua tropa. Meu lar está no limite entre este bairro e outra região que,
na década de 1920, passou a abrigar os trabalhadores desempregados, em função da crise econômica que assolou a cidade na época. O bairro já tinha uma fama de abrigar trabalhadores da construção civil, de ofícios ligados à construção de instrumentos musicais e alfaiates. A boemia já era conhecida e, associada à prostituição, foram as causas do estigma lançado ao bairro. Moro, literalmente, entre o sagrado e o profano, entre os “crentes”e os putos. Porém continuo vinculado às Minas. Minha rua significa, em tupi, pedra que brilha.

Minha família, por parte de pai, com registros confirmados, é fruto de uniões entre um senhor de Bichinhos (nascido em 1785), distrito de Tiradentes, cuja filha se casou com um senhor de Braga, bispado de Portugal. Desta relação, nasceu um cirurgião dentista, que casado, teve uma “segunda” esposa, de cujos filhos eu descendo. Portanto, parte de minha ascendência é bastarda. Sei também que outro ascendente veio de Portugal para o Brasil junto com irmãos para tentarem a sorte no país. Escolheram, ou foram escolhidos, pela ferrovia Oeste de MG. Um destes irmãos ( do qual eu descendo ) veio a se casar com uma ex-escrava alforriada. Já por parte de mãe, minha família vem de Caeté. Meu avô, foi um médico que, pela ironia do destino, veio  a falecer em um sanatório para tuberculosos, com a idade de 46 anos e deixando nada mais , nada menos do que 10 filhos para serem criados pela minha avó.

Quando nasci, a presidente do meu país se encontrava em cárcere, e talvez estivesse sendo torturada por ter participado, aos 23 anos, como a “papisa da subversão” do Comando de Libertação Nacional (Colina) e da VAR-Palmares. Era uma militante política condenada por crimes contra a segurança nacional. Era, de fato, uma opositora da ditadura militar. Nasci no governo de Emílio Garrastazu Médici e no meio do chamado milagre brasileiro. A moeda era o cruzeiro novo. O papa era o Paulo VI. O presidente dos EUA era Richard Nixon, que viria a renunciar anos depois por causa do caso Watergate e, quando nasci, ele negociava a retirada das tropas do Vietnã. Eram os tempos da calça boca de sino, calças jeans desbotadas, vestidos de crochê. Os Beatles viviam seus últimos dias como grupo. Os Mutantes lançavam o disco A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado. Caetano e Gil estavam exilados na Inglaterra. Chico Buarque voltava de seu auto-exílio na Itália. O carro mais cobiçado era o Dodge Dart. A televisão era em preto e branco. Na TV Excelsior havia a novela Sangue do meu Sangue” de Vicente Sesso, com Fernanda Montenegro e Tônia Carreiro. Leila Diniz realizava um movimento em frente à Rede Tupi por falta de pagamento de cachês dos artistas. A Globo, que completaria 5 anos de atividades em abril, exibia as novelas Pigmalião 70 e Véu de Noiva, esta depois seria substituída por Irmãos Coragem. Na rádio, era o tempo de Simon & Garfunkel com Bridge over trouble water, considerada a música do ano.  Era o tempo também de Beth Carvalho com Andança, do Coral Joab e o seu Pra frente Brasil, hino do título da Copa que seria nosso naquele ano. Evinha com Teletema, Jackson 5 com I'll Be There, Os Incríveis e seu ufanista Eu te amo meu Brasil, Roberto Carlos com Jesus Cristo, The Beatles e seus Let It Be. Jimmy Hendrix e Janis Joplin moreriam em alguns meses. No cinema, estreava o filme Aeroporto, inaugurando o gênero filme-catástrofe. Ainda teria Love Story, um clássico. O teatro seguia com seus textos e espetáculos sendo censurados.
Nasci numa quinta-feira. Sou São Zé. Sou pisciano, signo de água, regido por Netuno. Ascendente em câncer (dizem que é como eu vejo a vida), lua em leão (já soube exatamente o que isso queria dizer). Sou cachorro no horóscopo chinês. Filho de Oxum (uma orixá que reina sobre a água doce dos rios, o amor, a intimidade, a beleza, a riqueza e a diplomacia. Também é um orixá do candomblé. Seus filhos são doces, sentimentais, agem mais com o coração do que com a razão, será?) e de Oxóssi (o orixá da caça e da fartura, da expansão dos limites, do seu campo de ação. A caça é uma metáfora para o conhecimento, a expansão maior da vida. Ao atingir o conhecimento, Oxóssi acerta o seu alvo. Por este motivo, é um dos Orixás ligados ao campo do ensino, da cultura, da arte).
Sou um curioso de plantão. Veterinário aposentado, professor por profissão, fotógrafo como hobby, dançarino por diversão e um corredor em formação.

Um comentário:

Lívia Dias disse...

Amei o texto!!! :D
Vc estava inspiradíssimo!!!